EDITORIAL
MANAUS – Neste domingo, a capital do Amazonas completa 352 anos. Boa parte dos manauaras e daqueles que escolheram a cidade para morar tem motivos para comemorar. Boa parte, porque nem todos foram acolhidos com humanidade. Os bolsões de pobreza estão presentes nas ruas e, principalmente, na periferia. São pessoas que não tem motivos para comemorar.
Mas o aniversário de Manaus comporta uma reflexão sobre a dívida que a cidade tem com seus filhos, os legítimos e os adotivos. A cidade, como se sabe, é uma construção coletiva e fruto do trabalho de muitas mãos, mas depende, para se firmar como um espaço de desenvolvimento pleno da vida, de investimentos e determinação dos gestores públicos e da colaboração de todos.
Neste sentido, é que Manaus tem uma dívida ou dívidas históricas com seus filhos. A primeira delas é com a questão ambiental. O Amazonas, o maior Estado brasileiro em extensão territorial, concentra a maior fatia da floresta amazônica preservada. No discurso político, a capital do Estado é reivindicada como a “capital da Amazônia”. Nem de longe Manaus é digna desse título se considerados os aspectos ambientais da cidade.
Ao longo dos últimos 60 anos, praticamente todos os igarapés que cortavam a cidade foram poluídos ou eliminados por determinação política.
A poluição, em grande medida, é resultado da ação humana, de todos os homens e mulheres que habitam a capital do Amazonas, mas também resulta da falta de políticas voltadas para a preservação ambiental e a mudança de postura dos seus moradores. Cada um faz o que bem entende sem sofrer qualquer incômodo.
Outra dívida de Manaus com sua população é o distanciamento de todos com o rio. Manaus é banhada pelos dois rios mais imponentes do Brasil: o Negro e o Amazonas. No entanto, a orla da cidade é o retrato do abandono. A Ponta Negra é a única área pública adequada para se contemplar o rio. Da zona oeste à zona leste da cidade, passando pela zona sul, o que se vê são estaleiros, palafitas e empresas ocupando irregularmente a margem esquerda dos rios.
O transporte é outro problema. Ao longo dos últimos anos, pela falta de um transporte de massa decente, as ruas foram entupidas de carros de passeio e carrões tipo picapes, usadas para passear em shoppings. Para tentar amenizar os congestionamentos no trânsito, os governantes têm optado por construir viadutos e passagens de nível, empurrando o problema para o próximo cruzamento.
Nenhum projeto concreto surgiu para a construção de um transporte de massa. Nenhuma proposta foi apresentada para se aproveitar a orla da cidade e os rios para o transporte coletivo.
Uma cidade com mais de 2 milhões de habitantes nunca será grande sem um transporte decente, que privilegie as pessoas e reduza o número de carros nas ruas.
Por fim, Manaus tem uma dívida urbana, de moradias dignas, de ruas adequadas para carros e pedestres. A cidade antiga, com arquitetura europeia, foi um sonho que ficou para traz. A Zona Franca de Manaus transformou a capital do Amazonas em um grande aglomerado urbano, construído a partir de invasões de terras.
O “urbanismo” desordenado deixou marcas profundas na cidade, com bairros formados sem qualquer planejamento, ruas estreitas e sem calçadas e equipamentos necessários para melhorar a qualidade de vida de seus moradores.
As formações de bairros ocorreram por ação dos próprios “posseiros” e só muito tempo depois o poder público chegou para derramar asfalto no caos.
A “capital da Amazônia” não poder ser uma cidade sem arborização. A Avenida Getulio Vargas, que deveria servir de exemplo para as vias da cidade, pela qualidade da arborização, é apenas uma via isolada no Centro antigo.
Os novos empreendimentos residenciais, que resultaram no espraiamento da cidade, seguiram e seguem sempre a mesma metodologia: derrubam-se todas as árvores, limpam-se os terrenos para depois erguer os prédios de concreto, sem nenhuma preocupação com a arborização, que poderia amenizar o calor quase insuportável dos meses de verão amazônico.
É essa cidade que completa neste domingo 352 anos. A data bem que poderia ser um marco para o lançamento da pedra fundamental para uma nova cidade que fizesse jus ao título não reconhecido de capital da Amazônia.