
Da Redação
MANAUS – O juiz Ricardo A. de Sales do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) concedeu, na noite de sábado, 3, liminar a favor da OAB-AM (Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas) para que a Polícia Federal no Amazonas garanta o atendimento de advogados durante os plantões. Com a decisão, os profissionais passam a ter acesso às dependências da instituição e aos seus clientes mesmo em regime de plantão.
Ricardo de Sales determina que a PF “não viole as prerrogativas dos advogados previstas na Lei nº 8.906/94, evitando que se venha a incorrer no tipo penal do artigo 3º, alínea ‘j’, da Lei 4.898/1965, não impeça o acesso dos advogados ao atendimento no setor de recepção da sede da Superintendência da PF em Manaus e assegure o direito dos advogados – com ou sem procuração – de se comunicarem com seus clientes que se encontrem presos na sede da Superintendência da PF em Manaus”.
“A partir de agora, os advogados deixam de ficar do lado de fora da PF e passam a ter suas prerrogativas respeitadas”, disse o presidente da OAB-AM, Marco Aurélio Choy.
Entre os argumentos defendidos na liminar está a prerrogativa de que “para o pleno exercício da ampla defesa em processo penal se faz imprescindível ao defendente reunir-se com seu advogado para que este possa lhe transmitir todas as informações necessárias sobre o caso, de forma a se deduzir a melhor solução jurídica para o seu problema. Tantas quanto bastem, devem ser as reuniões”.
Confira na íntegra a decisão do juíz.
IMPETRANTE: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
IMPETRADA: DELEGADO FEDERAL PLANTONISTA DA SUPERINTENDÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL NO ESTADO DO AMAZONAS
DECISÃO
Trata-se de Mandado de Segurança Coletivo com pedido de concessão de medida liminar, apresentado perante este Juízo Plantonista sem prévia autuação e distribuição, no qual a impetrante – Ordem dos Advogados do Brasil OAB/AM – postula por medida judicial de urgência que determine à coatora que não viole as prerrogativas dos Advogados previstas na Lei nº 8906/94, de modo a não impedir o acesso dos Causídicos ao atendimento no setor de recepção da sede da Superintendência da PF em Manaus, bem como que seja ordenado pelo Juízo que a Autoridade Impetrada seja instada a não obstar que os Defensores tenham assegurado o direito de se comunicarem com seus clientes que se encontrem presos no referido estabelecimento policial.
A Entidade impetrante teceu robustos argumentos fáticos e jurídicos, juntando, ainda, documentação disponível a arrimar suas ponderações.
É, em apertada epítome, o relatório.
Tudo posto e sopesado, passo a decidir.
Como é sabido, a concessão de liminar em mandado de segurança não decorre de um “livre arbítrio” do julgador, eis que tal provimento possui natureza de “exceção”, e não de “regra geral”, devendo ser concedida com estrita observância de seus parâmetros legais, prescritos no art. 7º, II, da Lei n.º 12.016/09.
Na análise do pedido de tutela interinal há que se atentar para a presença, inconteste, do fumus boni iuris e do periculum in mora, os quais devem estar configurados quando da impetração para efeito de deferimento da ordem.
Para o pleno exercício da ampla defesa em processo penal se faz imprescindível ao defendente reunir-se com seu advogado para que este possa lhe transmitir todas as informações necessárias sobre o caso, de forma a se deduzir a melhor solução jurídica para o seu problema. Tantas quanto bastem, devem ser as reuniões. Conforme nos ensina a doutrina, “é fundamental ouvir o constituinte tantas vezes quantas forem necessárias para revisar impressões e fortalecer convicções.” (DOTTI, René Ariel. Breviário forense.Curitiba: Juruá. 1º Edição)
Protegendo os direitos do preso, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) relaciona entre os direitos do custodiado, em seu artigo 41, inciso IX, o direito a “entrevista pessoal e reservada com o advogado”. (MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva.)
Constata-se, com base em tais premissas, que o direito do preso se entrevistar com seu advogado possui contornos de verdadeira garantia. E assim foi definida pela Convenção Americana de Direitos Humanos — Pacto de San José da Costa Rica — em seu artigo 8º, 6º inciso, ao situar entre as “garantias judiciais” o “direito ao acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor.”
Se, por um lado, ao preso assiste o direito de se entrevistar com sua defesa técnica, por se cuidar de imprescindível ato para que possa lutar por sua liberdade, não há como deixar de se perceber, por outro lado, que inerente ao exercício regular da advocacia e da defesa nasce o direito, a prerrogativa profissional, de entrevistar-se com seu cliente, mesmo que preso, por configurar ato sem o qual fica prejudicado gravemente o exercício da advocacia e a eficiência da defesa ― que jamais, sob pena de retorno às piores fases pelas quais a humanidade já se deparou, poderá ser meramente simbólica.
Dessarte, tutelando os direitos do advogado, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 7º, incisos III e VI, reserva a garantia do réu comunicar-se, de forma pessoal e reservada, com seu advogado, independentemente de procuração e de ingressar livremente em estabelecimentos de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares.
Assim, mesmo sem procuração, ainda que esteja o cliente preso, detido ou recolhido em estabelecimento civil ou militar, e ainda mesmo que esteja considerado incomunicável, o segregado tem assegurado o acesso de ter a assistência de seu Advogado. É o que prevê o artigo 7º do EOAB, in verbis:
Art. 7º – São direitos do advogado:
(…)
III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.
(…)
VI – ingressar livremente:
(…)
- b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares; (grifei)
Com efeito, ao advogado não só é garantido o acesso ao interior do estabelecimento policial ou prisional, bem como de se comunicar com seu cliente, como o ratifica Paulo Lôbo, “sem qualquer interferência ou impedimento do estabelecimento prisional e dos agentes policiais.” O descumprimento dessas prerrogativas, vale dizer, importa em possível CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE, consoante leitura do artigo 3º, alínea “j”, da Lei 4.898/1965, que define como abuso de autoridade qualquer atentado “aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.” (LÔBO, Paulo. Estatuto da advocacia e da OAB. 5ª ed. São Paulo: Saraiva. 2009.)
Observe-se que a matéria encontra nascedouro constitucional não somente no princípio da ampla defesa, assegurado no artigo 5º, inciso LV, mas também da garantia insculpida no inciso LXIII do mesmo dispositivo, que assegura que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.”
Diante do exposto, num primeiro momento, em sede de juízo perfunctório, verifica-se a presença dos requisitos da plausibilidade jurídica das argumentações expendidas e do risco de que a demora na prestação jurisdicional almejada pela Impetrante possibilite a eventual reiteração de condutas que venham a violar as prerrogativas dos Advogados e/ou o direito dos segregados que se encontrem presos na Sede da Superintendência da Polícia Federal no Amazonas
Assim, diante da plausibilidade jurídica e de comprovação do real perigo da demora, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR REQUERIDA para determinar que a Autoridade Impetrada – o Exmo. Sr. Delegado Federal Plantonista da Superintendência da Polícia Federal no Estado do Amazonas:
- Não viole as prerrogativas dos Advogados previstas na Lei nº 8.906/94, evitando que se venha a incorrer no tipo penal do artigo 3º, alínea “j”, da Lei 4.898/1965;
- Não impeça o acesso dos Advogados ao atendimento no setor de recepção da sede da Superintendência da PF em Manaus;
- Assegure o direito dos Advogados – com ou sem procuração – de se comunicarem com seus clientes que se encontrem presos na sede da Superintendência da PF em Manaus.
- Intime-se. Cumpra-se por Oficial Plantonista.
Autue-se e se distribua o presente feito assim que se retornar o expediente judicial ordinário.
Manaus, 03 de novembro de 2018.
JUIZ RICARDO A. DE SALES