
Do ATUAL
MANAUS — O governo federal, o Governo do Amazonas e a Prefeitura de Manaus têm 60 dias para cumprir uma série de medidas de reparação e assistência às vítimas da crise de oxigênio ocorrida durante a pandemia de Covid-19. A ordem foi dada pela juíza Marília Gurgel, da Justiça Federal do Amazonas, na terça-feira (10).
Entre as determinações estão a coleta de dados sobre as mortes e transferências de pacientes, incluindo a identificação das vítimas, a oferta de apoio médico e psicossocial às famílias atingidas e a criação de programas de capacitação para os chamados “órfãos da Covid”. Também deverão ser implementados cursos internos para capacitar os órgãos públicos a lidar com emergências sanitárias.
A juíza negou, nesta fase do processo, os pedidos para que União, Estado do Amazonas e Prefeitura de Manaus reconhecessem publicamente a responsabilidade pela crise de oxigênio e fizessem um pedido oficial de desculpas às vítimas. Também foram rejeitadas as solicitações para que a decisão fosse publicada em redes sociais, meios oficiais e jornais de grande circulação. Segundo a magistrada, essas medidas têm caráter político-simbólico e exigem análise mais aprofundada, que só poderá ocorrer após a fase de produção de provas.
A determinação foi proferida em uma ação civil pública apresentada em abril de 2024 pelo MPF (Ministério Público Federal) e DPE-AM (Defensoria Pública do Amazonas) cobrando R$ 4 bilhões em indenização e medidas de reparação pelos danos causados pela crise de oxigênio em Manaus no início de 2021.
Na ação judicial, os órgãos defendem que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus são responsáveis pela crise instalada no período na saúde pública da capital, pois teriam sido omissos no planejamento de ações no combate à pandemia de covid-19.
O documento detalha os fatos que culminaram na crise, incluindo a falta de planejamento das autoridades, a omissão da White Martins em alertar sobre o aumento da demanda por oxigênio e a infraestrutura precária do sistema de saúde.
Diante da gravidade dos fatos, DPE-AM e MPF pedem que a Justiça condene União, Estado do Amazonas e Município de Manaus ao pagamento de R$ 1,6 bilhão a título de danos individuais homogêneos, em razão das violações aos direitos à vida e à saúde das vítimas, bem como a R$ 2,4 bilhões por danos sociais e danos morais coletivos.
Os órgãos públicos também pedem, em caráter liminar, que os entes sejam obrigados a reconhecer, de forma imediata, a responsabilidade pela crise no desabastecimento de oxigênio, incluindo a publicação de um pedido de desculpas às vítimas e aos familiares dos falecidos
Outro pedido feito na ação é para que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus forneçam informações precisas sobre os eventos relacionados à crise de oxigênio, como número de óbitos, de transferência de pacientes para outros estados, de famílias atingidas e de outros danos para a saúde. O pedido se justifica em razão da transparência pública, pois, mesmo após quatro anos da crise, os números exatos de vítimas são desconhecidos ou contestados.
Na ação, DPE-AM e MPF defendem que o Brasil é um país carente de políticas voltadas para construção de uma memória coletiva, o que diminuiu a construção de medidas que garantam que fatos semelhantes não aconteçam novamente.
A fim de que a crise humanitária gerada pela falta de oxigênio não seja esquecida, os órgãos pedem que a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus sejam obrigados a construir um memorial físico. O espaço de homenagem às vítimas deve reunir objetos, fotos, documentos e outros materiais e informações referentes ao período. Ambiente virtual, com o objetivo de preservar a memória dos fatos, também deve ser criado.
De acordo com as apurações da DPE-AM, o poder público também foi omisso ao deixar de planejar adequadamente a remoção de pacientes para outros estados, mesmo ciente do colapso do sistema de saúde dentro de alguns dias e da existência de vagas disponibilizadas por outras unidades da federação.
Além disso, a inexistência de medidas coordenadas de distanciamento social e o incentivo a uso de medicamentos preventivos sem comprovação científica contribuíram para o colapso do sistema de saúde e para a falta generalizada de oxigênio medicinal no estado que ocorreu em janeiro de 2021.
As principais medidas de reparação determinadas pela Justiça são:
- Levantamento de dados:
Fornecimento de informações detalhadas sobre os impactos da crise de oxigênio, como número de mortes, pacientes transferidos para outros estados e famílias atingidas. - Investigação oficial:
Coleta de documentos e registros sobre os eventos, com a obrigação de investigar possíveis violações de direitos humanos. - Apoio médico e psicossocial às vítimas e familiares:
Implementação de programas de atenção à saúde física e mental das pessoas afetadas, incluindo os chamados “órfãos da Covid”. - Capacitação profissional e educacional:
Criação de programas para qualificação profissional e educacional das vítimas da crise. - Execução de políticas públicas:
Início das ações práticas de assistência, a partir do segundo semestre de 2025, com um cronograma apresentado ao Judiciário. - Treinamento de servidores públicos:
Elaboração de cursos internos para capacitar órgãos de saúde nas áreas de resposta a emergências sanitárias e gestão de crises, usando como estudo de caso a própria crise de oxigênio em Manaus.