Por Giovanna Castro, do Estadão Conteúdo
SÃO PAULO – A Justiça Federal sentenciou, no último dia 18 de dezembro, a União, o Estado do Amazonas e o município de Manaus a indenizarem em R$ 1,4 milhão uma família de vítima fatal da Covid-19 cujo quadro foi comprovadamente agravado pela falta de oxigênio no Amazonas, que aconteceu em janeiro de 2021.
Os seis filhos e o viúvo da vítima, Leoneth Cavalcante de Santiago, de 61 anos, devem receber R$ 200 mil cada por responsabilidade civil e ato ilícito cumulado por danos morais. A medida cabe recurso por parte dos sentenciados.
De acordo com a sentença, à qual o Estadão teve acesso, e um dos advogados de defesa, Johnny Salles, Leoneth deu entrada no hospital Platão Araújo, em Manaus, no dia 4 de janeiro de 2021. Ela tinha sintomas de Covid-19 e foi diagnosticada com “estado crítico” da doença logo em seguida.
Onze dias depois, Leoneth morreu “em decorrência da demora no atendimento médico adequado, bem como asfixia em razão da falta de oxigênio no estado do Amazonas”, afirma Salles.
No laudo médico, consta “síndrome respiratória aguda grave” e “Covid-19”. O hospital em que ela estava, assim como os outros da região, não tinha oxigênio e nem Unidade Intensiva de Tratamento (UTI) disponíveis para tratá-la adequadamente.
A família de Leoneth chegou a conseguir, à época, uma liminar na justiça estadual do Amazonas, emitida no dia 14 de janeiro daquele ano, um dia antes da sua morte. O documento assegurava a transferência dela com urgência para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com sistema de oxigenação artificial, no mesmo hospital ou em outro, mas a liminar não foi cumprida pela falta de leitos disponíveis.
“Já havia ocorrido a primeira onda de Covid-19, sendo demonstrado, naquela oportunidade, a necessidade de mais leitos de UTI. Essa situação foi ignorada pelos entes federativos”, diz Salles, justificando a ação movida contra as entidades públicas. “A sentença representa um marco àquelas famílias enlutadas por ausência de oxigênio e UTI no Estado do Amazonas”, afirma. Este é o primeiro caso sentenciado por este motivo que veio a público.
O Estadão procurou familiares de Leoneth, a União, o governo do Amazonas e a prefeitura de Manaus para comentar sobre o caso, mas não teve resposta até a publicação. O espaço segue está para a manifestação das partes.
A sentença considerou o descumprimento do dever constitucional de assegurar o direito à saúde, descrito no Art.196 da Constituição Federal, pela falta de condições adequadas para o tratamento de Leoneth.
Também mencionou, como justificativa para a sentença, o fato de que a paciente se manteve em quadro estável de saúde enquanto ainda havia oxigênio disponível na unidade de saúde em que estava, um indício de que a culpa da morte seria, de fato, a falta de equipamento.
“Quanto à alegação de ilegitimidade passiva da União e do Município de Manaus, rejeito-a na medida em que o STF, em repercussão geral, já fixou o entendimento quanto à responsabilidade solidária dos três entes públicos em questões relacionadas à saúde”, justificou a juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, que assina a sentença.
“O dano sofrido pelos autores é claro, profundo e salta aos olhos, já que a perda de um ente querido em razão da omissão dos réus em abastecer adequadamente suas unidades de saúde com oxigênio medicinal e também com leitos de UTI suficientes é incomensurável, ainda mais se tratando de esposa e mãe”, afirma a magistrada no texto.
“Em todo o seu tempo de internação”, frisa a juíza Pinto Fraxe, “a paciente permaneceu em enfermaria, a despeito da piora no seu quadro e da solicitação feita pelo médico que estava de plantão para que fosse realizado parecer de reanimação”. Em outro trecho, a magistrada prossegue: “A situação da paciente era tão grave que obteve, inclusive, decisão judicial de urgência na Justiça Estadual para sua transferência para UTI seja no mesmo hospital ou mesmo em outro da rede pública ou particular, o que não ocorreu em razão da sua morte”.
“Fica claro, portanto, que a paciente não recebeu os cuidados necessários para evitar o evento morte, tendo agonizado num leito de enfermaria e dessaturado até 40%, o que possivelmente provocou a sua parada cardiorrespiratória em razão do esforço para obter ar”, descreve ainda a sentença. Para a juíza, os réus não conseguiram “apresentar contraprovas” que pudessem contrapor tais “óbvias conclusões”.
O relatório final da CPI da Covid, do final de 2021, sugere indiciamento do então presidente Jair Bolsonaro e mais 65 pessoas por uma série de irresponsabilidades na conduta da saúde pública durante a pandemia.