MANAUS – O juiz Paulo Fernando de Britto Feitoza, da 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal, suspendeu, na última segunda-feira, a licitação da Prefeitura de Manaus vencida pela empresa FM Rodrigues & Cia Ltda. para prestação de serviços de iluminação pública na capital. O resultado da licitação foi publicado no dia 23 de outubro passado, e a empresa vencedora é a mesma que presta o serviço atualmente.
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A decisão de Feitoza foi tomada em mandato de segurança impetrado pela empresa Endicon Engenharia de Instalações e Construções Ltda., que alegou “prática de ato supostamente ilegal, que acarretou sua inabilitação na Concorrência 020/2015, da Comissão Geral de Licitação. A empresa alega que o edital exigia dos licitantes a apresentação de certidão negativa de falência e recuperação judicial para qualificação econômico-financeira e que entregou certidão positiva, com com efeitos de negativa, que atende ao requisito previsto no edital”. Mesmo assim, foi inabilitada.
Em primeira decisão, o juiz negou a liminar requerida, mas a empresa ingressou com pedido de reconsideração. O juiz afirmou que “um simples lapso de redação, ou uma falha inócua na interpretação do edital, não deve propiciar a rejeição sumária na oferta”, e decidiu concedeu a segurança e determinou que a Endicon seja habilitada no prazo de 48 horas, na licitação, sob pena de a presidente da Comissão de Licitação, Marilucia Meireles de Lima, pagar multa diária de R$ 200 mil, sem limite de dias. Cabe recurso.
A licitação foi vencida pela FM Rodrigues com a oferta de preço de R$ 70,2 milhões para o período de um ano. O valor é 174% maior que o valor atual do contrato, de R$ 28,4 milhões.
Leia o teor da decisão:
Teor do ato: SENTENÇA Processo nº 0634638-97.2015.8.04.0001 Mandado de Segurança Impetrante: ENDICON – Engenharia de Instalações e Construções Ltda. Impetrado: Presidente da Comissão Municipal de Licitação, Marilucia Meireles de Lima Litisconsorte passivo: Município de Manaus Vistos, etc. I. – Relata-se. Trata-se de mandado de segurança com pedido de liminar impetrado por ENDICON ENGENHARIA DE INSTALAÇÕES E CONSTRUÇÕES LTDA em face de Marilucia Meireles de Lima, Presidente da Comissão Municipal de Licitação da Prefeitura de Manaus, pela prática de ato supostamente ilegal, que acarretou na inabilitação da impetrante na Concorrência n° 020/2015-CML/PM. Neste contexto, alegou a impetrante que o edital do certame exigiu dos licitantes a apresentação de Certidão Negativa de Falência e Recuperação Judicial para qualificação econômico-financeira. Por conseguinte, a impetrante, em obediência a tal requisito, entregou à comissão a Certidão Positiva com efeitos negativos, conforme documento de fl. 81. Todavia, em que pese ter apresentado a certidão positiva com efeitos de negativa, que atende ao requisito previsto no edital para comprovação da qualificação econômico-financeira, a impetrante foi inabilitada do certame. Diante disso, por entender que sua inabilitação foi arbitrária e ilegal, requereu, liminarmente, a suspensão da licitação e, no mérito, requereu a concessão da segurança para o fim de ser habilitada na Concorrência n. 020/2015-CML/PM. Às fls. 89-90, decisão interlocutória indeferindo a liminar requerida. Às fls. 94/95, a impetrante fez pedido de reconsideração quanto à liminar. Em seguida, a impetrante peticionou nos autos, às fls. 118/119, informando sobre a interposição de agravo de instrumento em face da decisão que indeferiu o pedido liminar. Às fls. 135-152, notificada, a autoridade apontada como coatora prestou informações alegando, preliminarmente, a perda do objeto da ação, tendo em vista a homologação do certame e adjudicação do objeto. No mérito, sustentou a inexistência de direito líquido e certo, pugnando pela denegação da segurança. Anexou documento de fl. 153. Dada vista ao Ministério Público, o órgão ministerial opinou pela concessão da segurança por entender presente a ilegalidade da conduta administrativa, conforme documento de fls. 155/158. Manifestação do Município de Manaus às fls. 160/177, pugnando pela extinção do processo, sem resolução de mérito, pela perda superveniente do objeto da ação. Anexou documentos às fls. 178/181. É o relatório. II. – Fundamenta-se para ulterior decisão. No que se refere à preliminar de perda de objeto, suscitada pela autoridade coatora em suas informações, bem como pelo Município de Manaus em sua manifestação, esta não merece prosperar. Isso porque, caso reconhecida a ilegalidade praticada pela autoridade coatora, mesmo que já homologado o certame, nada impede que os atos praticados após a inabilitação da impetrante sejam declarados nulos. Por tais razões, rejeita-se a preliminar de perda de objeto. Nesta senda: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE ESCOLAR. PREGÃO PRESENCIAL. DESCLASSIFICAÇÃO DE PROPOSTA COM VALOR ALÉM DO TETO MÁXIMO ESTABELECIDO NO EDITAL. MANIFESTO ERRO MATERIAL. EXCESSO DE RIGORISMO. CELEBRAÇÃO DO CONTRATO E INÍCIO DE SUA EXECUÇÃO. PERDA DE OBJETO DO WRIT. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. “Não há se falar em perda de objeto do mandado de segurança pelo simples fato de já ter sido assinado o contrato administrativo objeto de processo licitatório judicialmente impugnado por esta via. Se tempestiva a impetração e comprovada a possibilidade de o impetrante obter benefício direto com a declaração de nulidade, perfeitamente possível a análise de mérito” (ACMS 2. No procedimento licitatório, não obstante o princípio da vinculação ao edital, “a desconformidade ensejadora da desclassificação da proposta deve ser substancial e lesiva à Administração ou aos outros licitantes, pois um simples lapso de redação, ou uma falha inócua na interpretação do edital, não deve propiciar a rejeição sumária na oferta. Aplica-se, aqui, a regra universal do utile per inutile non vitiatur, que o Direito francês resumiu no pas de nullité sans grief. Melhor será que se aprecie uma proposta sofrível na apresentação, mas vantajosa no conteúdo, do que desclassificá-la por um rigorismo formal e inconsentâneo com o caráter competitivo da licitação” (Hely Lopes Meirelles).(TJ-SC – MS: 696427 SC 2008.069642-7, Relator: Newton Janke, Data de Julgamento: 11/09/2009, Segunda Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível em Mandado de Segurança n. , de São Carlos). No mérito, examinados os autos, verifica-se que se encontra presente a ofensa a direito líquido e certo, que permite a concessão da segurança pleiteada pela impetrante, a fim de que se corrija o ato ilegalmente praticado pela autoridade coatora, assegurando à impetrante a habilitação na concorrência licitatória, senão vejamos. Conforme o Edital de Concorrência n° 020/2015-CML/PM, exigiu-se dos licitantes a apresentação da Certidão Negativa de Falência e Recuperação Judicial: IV – QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA (.) e) Certidão Negativa de Falência e de Recuperação Judicial expedida pela distribuidora da sede fiscal da pessoa jurídica ou de execução patrimonial, dentro do prazo de validade; Tal exigência encontra-se amparada pela Lei de Licitações, que em seu art. 31 dispôs acerca da documentação comprobatória da qualificação econômico-financeira, conforme dispositivo abaixo transcrito: Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a: I – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física; Por sua vez, considerando que toda a legislação deve ser interpretada em consonância com os preceitos constitucionais, não é razoável inabilitar a impetrante por ter apresentado certidão positiva COM EFEITOS DE NEGATIVA para processos de falência, concordata ou recuperação judicial. Logo, no caso dos autos, não há documento idôneo a inabilitar a impetrante, posto que, a empresa licitante apresentou o documento de fl. 81 – Certidão Judicial Cível Positiva, emitida pelo Fórum Cível da Comarca de Belém que, em que pese se tratar de certidão positiva, possui efeitos negativos para processos de falência, concordata ou recuperação judicial, conforme anotação contida na última linha do referido documento: “Esta certidão tem efeito de certidão negativa para processos de falência, concordata ou recuperação judicial.” Deste modo, o efeito negativo da certidão confere à impetrante o direito de habilitação, restando atendido o requisito editalício quanto à qualificação econômico-financeira, sendo sua inabilitação ato manifestamente desarrazoado e ilegal. Neste contexto, o princípio da razoabilidade conduz às idéias de adequação e de necessidade, de modo que não basta que o ato da Administração tenha uma finalidade legítima. É necessário, também, que os meios empregados sejam adequados à consecução do fim almejado e que sua utilização, especialmente quando se trata de medidas restritivas ou punitivas, seja realmente necessária. Assim sendo, a finalidade do princípio da razoabilidade é obter a compatibilidade entre os meios e os fins de um ato administrativo, evitando restrições desnecessárias, arbitrárias ou abusivas por parte da Administração Pública. Por consequência, não é razoável por parte do impetrado inabilitar a impetrante do certame licitatório pela entrega da certidão positiva com efeitos de negativa e, não, a certidão negativa propriamente dita, posto que, manifestamente, a certidão positiva com efeitos de negativa comprova a inexistência de processos de falência, concordata ou recuperação judicial, atendendo plenamente a exigência editalícia quanto à qualificação econômico-financeira. Sobre o tema a jurisprudência: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. EDITAL. 1. As regras do edital de procedimento licitatório devem ser interpretadas de modo que, sem causar qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, possibilitem a participação do maior número possível de concorrentes, a fim de que seja possibilitado se encontrar, entre várias propostas, a mais vantajosa. 2. Não há de se prestigiar posição decisória assumida pela Comissão de Licitação que inabilita concorrente com base em circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, fazendo exigência sem conteúdo de repercussão para a configuração da habilitação jurídica, da qualificação técnica, da qualificação econômica-financeira e regularidade fiscal. 3. Se o edital exige que a prova da habilitação jurídica da empresa deve ser feita, apenas, com a apresentação do “ato constitutivo e suas alterações, devidamente registrada ou arquivadas na repartição competente, constando dentre seus objetivos a exclusão de serviços de Radiodifusão…”, é excessiva e sem fundamento legal a inabilitação de concorrente sob a simples afirmação de que cláusulas do contrato social não se harmonizam com o valor total do capital social e com o correspondente balanço de abertura, por tal entendimento ser vago e impreciso. 4. Segurança concedida. (STJ – MS: 5606 DF 1998/0002224-4, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 13/05/1998, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 10.08.1998 p. 4RDR vol. 14 p. 175). Ademais, ressalta-se que, a apresentação da Certidão Positiva com efeitos de negativa não fere, de modo algum, o Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório, previsto no artigo 3º e 41, caput, da Lei 8.666/93, tendo em vista que a certidão atende à exigência do edital do certame, ou seja, comprova a qualificação econômico-financeira da licitante. Finalmente, por tais razões, resta evidenciada a violação ao direito líquido e certo da impetrante, devendo ser concedida a segurança pleitada a fim de habilitar a empresa impetrante na Concorrência n. 020/2015-CML/PM . III. – Decide-se. Pelos fundamentos expostos, CONCEDE-SE A SEGURANÇA, para que o impetrado HABILITE a impetrante, em 48 horas, na licitação Concorrência nº 020/2015-CML/PM, sob pena de responder, pelo não cumprimento desta decisão, com multa diária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), sem limite de dias, nos moldes do art. 269, inc. I do Código de Processo Civil. Custas pela parte impetrante, devidamente recolhidas conforme comprovante de fl. 116. Isento de pagamento de honorários, conforme enunciado 512, da Súmula do STF. Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição, conforme § 1°, do art. 14, da Lei 12.016/2009. Por força do art. 13 da Lei 12.016/09, comunique-se, por ofício, à autoridade impetrada o teor desta decisão para seu imediato cumprimento. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Manaus, 11 de dezembro de 2015. Juiz Paulo Fernando de Britto Feitoza Advogados(s): Ketlen Anne Pontes Pina (OAB 4818/AM), Igor Costa de Souza (OAB 10608/AM)