As comemorações do último dia sete de setembro lembraram a independência do Brasil, enaltecendo a liberdade e a soberania da pátria. Contraditoriamente, houve quem elogiasse a ditadura militar (1964-1985), regime de repressão às liberdades, que infundiu terror em todo o território nacional, assassinando centenas de pessoas e torturando outras milhares. O atual presidente da república e seus seguidores chegaram a comemorar o regime ditatorial, numa demonstração de incoerência em relação à data que estavam festejando.
Ainda hoje ouvimos e lemos relatos de acontecimentos trágicos desembocados pela brutalidade dos militares, apoiados pela elite brasileira, demonstrando perversidade e desprezo para com as liberdades. Para eles, a única liberdade que interessava era a liberdade de exploração do outro e de lucrar às custas do sofrimento dos mais pobres. Tempo sombrio em que não se podia pensar diferente, sendo proibida a prática da política e até o exercício da coletividade. Setores da Igreja Católica também apoiaram a repressão e a violência contra seres humanos, numa total incompatibilidade com a fé cristã, que prega a solidariedade, o respeito à vida e a prática da justiça.
Numa flagrante intolerância, caçaram defensores dos direitos humanos, dizimaram etnias indígenas, maltrataram professores e artistas, fecharam instituições democráticas, violaram homens e mulheres, anularam direitos fundamentais e eliminaram culturas. Acervos e tradições culturais de diferentes cores em todo o Brasil foram perseguidos e proibidos, sendo destituída muita da nossa beleza multicultural. Nossa identidade nacional ficou mais empobrecida nesta época de tragédia. Tempo, também, em que a desigualdade social foi ampliada, os militares e empresários corruptos atuavam sem medo de serem descobertos, grassava o medo, a desconfiança e o autoritarismo de Estado.
Grupos conservadores e retrógrados, que se sentem representados pelo atual presidente da república, vislumbram aquele tempo com melancolia. Gestos e medidas do chefe do executivo buscam resgatar aquele período sombrio. Incentivo a invasão das terras indígenas, redução de direitos, intimidação da impressa, perseguição de oponentes políticos, destruição da Amazônia, política armamentista, sucateamento da educação, agressão aos movimentos sociais, militarização dos serviços públicos e desrespeito à sociedade civil. Não são semelhanças aleatórias, mas expressam o retorno ao militarismo, depois de 35 anos.
As lembranças daquele período, no entanto, reforçam a aversão ao autoritarismo sentido pela grande maioria da sociedade brasileira. Pesquisa recente mostra que 75% dos brasileiros preferem a democracia como forma de governo, mostrando que não querem voltar a viver a experiência sombria da ditadura militar. Mesmo com esta pesquisa mostrando resultados folgados em favor da democracia, a sociedade civil e lideranças democráticas não devem ignorar os clamores dos setores simpatizantes do militarismo. Não estamos num período favorável à democracia brasileira, por isso, o grito de liberdade deve ser ouvido em todos os rincões deste país, inclusive no Palácio do Planalto.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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