Por Valter Calheiros, especial para o AMAZONAS ATUAL
MANAUS – A vida apressada dos dias de hoje na cidade de Manaus nos permite relacionar-nos com diversas situações ao mesmo tempo. Isso acontece porque o ser humano é dotado de capacidades para interagir com pessoas, cheiros, paisagens e mais recentemente com as diversas tecnologias de comunicação. Tudo isso nos traz sensações boas ou desagradáveis, que funcionam como um combustível para a vida.
Quando se trata da relação homem e meio ambiente, a interação sempre nos possibilita aprender coisas novas, fazer seu reconhecimento, sentir sua força natural, estabelecer valores culturais, religiosos e econômicos, e assim conseguimos interpretar as possibilidades de relacionamento do ser humano com a natureza. Mas, em certos casos nossa visão não consegue enviar ao cérebro a importância que aquele bem natural representa e o quanto é fundamental para a vida de toda uma sociedade.
Nossa Amazônia é rica por suas florestas, peixes, animais domésticos e da mata, plantas ornamentais e medicinais, águas que transbordam por centenas de rios, paranás, lagos, igarapés, igapós, furos e fontes subterrâneas. Assim, pela presença efetiva nestas terras e pela história de vida de cada caboco que nasceu nestas paragens, ou vindos de outras terras, podemos afirmar que não exclusivamente, mas por nossa casa ser aqui, somos os primeiros e principais responsáveis pelo seu cuidado, zelo e preservação.
Digo isto para chamar atenção para a realidade dos igarapés que cortam nossa cidade, que ao longo dos anos ganharam nomes a partir de sua relação com a população de seu entorno. Assim, surgiram os igarapés do Mindú, Educandos, Quarenta, São Raimundo, Passarinho e tantos outros que cortam inúmeros bairros de Manaus.
A chamada de atenção vem através de um registro fotográfico feito no dia 22 de abril, realizado nas orlas dos bairros de Educandos, São Raimundo e Manaus Moderna. A ação realizada em um pequeno barco foi a convite do vereador Waldemir José que reuniu vários profissionais da área de educação e defesa do meio ambiente, tendo como objetivo fiscalizar os serviços de coleta de resíduos sólidos nos igarapés. As imagens apresentam os igarapés como depósito de toda espécie de lixo, transformando suas águas em um líquido apodrecido, como também transformados em ambiente de trabalho para catadores de garrafas pet que conseguem baixíssimo retorno financeiro e altíssimo riso à saúde.
Como agravante da situação, registramos como são executados os trabalhos de limpeza publica na orla do igarapé do Educandos e Feira Manaus Moderna. Encontramos nesta área, homens que trabalham para emprestas contratadas pela Prefeitura de Manaus efetuando a retirada do lixo da beira do igarapé em situação desumana, com o corpo sem qualquer proteção mergulhado até o pescoço, as mãos empurrando pedaços de paus, garrafas plásticas, resto de geladeira, plásticos e latas, em fim, todo tipo de material que a população joga nos diversos igarapés que chegam até o Rio Negro. Não sei se a legislação brasileira alcança essa definição, mas, particularmente classifico o fato como análogo ao trabalho escravo!
Com evidente descaso e fruto de relações mínimas de respeito com a natureza, nos remetemos a apresentar conclusões pessoais, como a falta de educação por usarmos os igarapés como lixeira da cidade, a falta de cuidado com nossas águas e a falta de fiscalização através dos órgãos do poder público. Mas, esta oportunidade nos remete a convidar o cidadão manauara, seja autoridade publica ou não, empresário ou trabalhador, amazonense ou de outro estado, jovens e adultos, que todos possam se posicionar e declarar o que pensam a respeito de nossa relação com os igarapés que outrora embelezavam a cidade de Manaus!
Oportuno ressaltar, que nos últimos anos muito se produziu na área da educação ambiental, através dos movimentos sociais, políticas públicas e legislação ambiental, ações comunitárias e de empresas. A soma dos esforços fez surgir musicas, poemas, livros, artigos acadêmicos, exposições e mostras escolares sobre meio ambiente que proporcionam a formação cidadã para o bom convívio com o meio ambiente amazônico.
Na perspectiva de avanço no debate social, nos remetemos à leitura e reflexão que buscam novos caminhos na relação homem e natureza. Para tanto, indicamos a Carta Encíclica do Papa Francisco, nomeada de Laudato Si – Louvado sejas – sobre o cuidado da casa comum, documento da Igreja Católica que trata de temas como água, poluição, mudanças climáticas, biodiversidade, educação e política sobre meio ambiente. Na mesma linha de formação está a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016 da CNBB, que através do debate com a sociedade quer assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e empenharmo-nos, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro de nossa Casa Comum!
Confira o ensaio fotográfico (Fotos: Valter Calheiros)