Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – O fuzil apreendido com um dos suspeitos do ataque a uma viatura da Polícia Civil no dia 6 deste mês e que gerou investigação para saber se foi roubado de depósito do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) é objeto de uma disputa judicial entre dois atiradores desportivos associados a um clube de tiro de Manaus desde abril de 2021.
Antes do incidente, eles confirmaram à polícia que realizaram uma negociação do fuzil em março de 2021, mas apresentaram versões diferentes sobre como o armamento foi parar nas mãos de uma terceira pessoa, o Adriano de Souza Marques, de 32 anos, que foi preso em uma rua do bairro Zumbi dos Palmares, na zona leste de Manaus, alguns dias após a venda.
Após ser apreendida por policiais militares, a arma ficou sob a guarda do TJAM. Em novembro de 2021, após o juiz Luis Alberto Nascimento Albuquerque, da 1ª Vara Criminal de Manaus, autorizar um policial civil a usar o fuzil, o agente foi ao depósito buscar a arma, mas foi informado que o equipamento não estava mais lá.
Neste sábado (15), o ATUAL noticiou que a Polícia Civil investiga se o fuzil é o mesmo usado no ataque à viatura no último dia 6 de janeiro. Na ocasião, dois presos que eram levados para uma audiência de custódia morreram e um ficou ferido. Uma policial militar também ficou ferida, mas foi socorrida pelos colegas.
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De acordo com inquérito que o ATUAL teve acesso, no dia 6 de março de 2021 policiais militares receberam denúncia de que havia um grupo armado na Rua Professora Luiza do Nascimento, no bairro Zumbi dos Palmares, e seguiram para o local. Chegando lá, eles prenderam Adriano de Souza Gomes, de 32 anos, que, segundo eles, portava o fuzil.
No mesmo mês, a Polícia Civil pediu ao juiz para usar a arma que, conforme a instituição, não tinha cadastro em órgãos de controle. O magistrado negou o pedido e, após consulta ao Exército Brasileiro e à Taurus – empresa fabricante de armas de fogo -, foi informado que o fuzil estava cadastrado no nome de Adilson Borges dos Santos, de 49 anos.
Versão de Adilson
No dia 6 de abril de 2021, em depoimento ao delegado Márcio André de Almeida Campos, do 25º DIP (Distrito Integrado de Policia), Adilson Santos, que é empresário, afirmou que em janeiro daquele ano comprou o fuzil da Taurus por R$ 12,3 mil, mas “não gostou” e decidiu vender o armamento para comprar outro importado.
Adilson disse que, no início de março, o policial militar Nilson Buckley Borges, de 30 anos, que frequentava o mesmo clube de tiro que ele (Clube Ponta Negra), o procurou para buscar informações sobre a venda do fuzil. Após conversas, no dia 3 de março, nas dependências do clube, Nilson pagou R$ 18 mil pelo fuzil e, no mesmo dia, tomou posse da arma.
O empresário relatou ao delegado que sabia que o procedimento não era correto, pois “deveria aguardar a efetiva transferência do armamento no Exército”, mas confiou em Nilson porque o mesmo era “caçador, atirador e colecionador [CAC] e também policial militar, ou seja, possui todos os requisitos para a aquisição e posse do armamento”.
Ainda de acordo com Adilson, no dia 6 de março ele ficou sabendo que o fuzil havia sido apreendido com outro homem, cujo nome foi descobrir na delegacia. Ele narrou ao delegado que ligou para Nilson, que, segundo ele, pediu um tempo, e, depois, o informou que havia emprestado o armamento para “um brother” e que iria resolver a situação.
Mais tarde, conforme o empresário, Nilson enviou uma foto do boletim de ocorrência registrado pela internet noticiando o furto do armamento, mas não repassou outras informações sobre as circunstâncias da ocorrência. Adilson também afirmou que, no mesmo dia, Nilson devolveu para ele o CRAF (Certificado de Registro de Arma de Fogo) do fuzil.
Adilson relatou à polícia que, após o ocorrido, procurou um advogado para comunicar o fato ao Exército, conforme determina a legislação. Ele negou conhecer Adriano de Souza Marques, o homem que foi preso acusado de portar o fuzil ilegalmente, e disse, ainda, que não tem costume de vender suas armas e que essa foi a primeira vez.
Versão de Nilson
A versão de Nilson Borges sobre o ocorrido foi dada ao delegado Márcio Campos no dia 13 de abril. Ele relatou que soube através de um amigo identificado como Normando que Adilson estava querendo vender o fuzil e que esse amigo intermediou o encontro dos dois, ocorrido na empresa de Adilson, no Distrito Industrial, zona sul de Manaus, no dia 1º de março.
Nilson contou que, no encontro, comprou a arma do empresário por R$ 17,5 mil à vista. No mesmo dia, o vendedor do fuzil ligou para um despachante do Clube de Tiro Ponta Negra para informar a venda do armamento para Nilson e o funcionário da empresa solicitou documentos para dar início ao processo de transferência no Exército.
O policial militar afirmou que no dia 1º de março já estava com o fuzil e o certificado do equipamento, mesmo antes da finalização do processo de transferência. Segundo ele, no dia 5, ele e Adilson foram ao stand Ponta Negra e assinaram a documentação referente à transferência de propriedade do armamento, na presença do despachante do clube.
Nilson afirmou que, no mesmo dia, por volta das 17h30, ele saiu do serviço e foi comprar uma sopa em uma lanchonete localizada na Avenida Timbiras, no bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus. Ele alega que estacionou o veículo em um terreno baldio, mas, ao retornar da lanchonete, encontrou o carro com o vidro de uma das portas quebrado.
O policial militar relatou à polícia que naquele dia furtaram a mochila dele contendo um notebook, produtos de higiene pessoal e a arma, que estava no assoalho do veículo. Ele narrou que procurou por suspeitos na área, mas não obteve êxito, e observou que no local não havia câmeras de segurança que pudessem ter capturado o furto.
Nilson disse que ficou sabendo na manhã do dia seguinte que o fuzil havia sido apreendido com outra pessoa. Ele confirmou que Adilson ligou para ele naquele dia pedindo informações, mas negou que tenha dito “me dá um tempo” ou que tenha afirmado ter emprestado o armamento “para um brother” e que “iria resolver a questão”.
O policial militar afirmou que informou Adilson sobre o furto do fuzil e também negou conhecer Adriano de Souza Marques. Ele apresentou fotos do veículo dele danificado, do recibo do serviço realizado no carro e o boletim de ocorrência registrado na internet por volta de 16h do dia em que o armamento foi apreendido.
Absolvição
Em meio a disputa judicial, no dia 10 de junho de 2021, o juiz Luis Alberto Albuquerque absolveu Adriano de Souza Marques do crime de porte ilegal de arma de fogo imputado pelo MP-AM (Ministério Público do Amazonas). O magistrado sustentou que “não foi possível extrair elementos seguros e convincentes para alicerçar uma posição condenatória”.
Albuquerque afirmou que “não existe outro indício suficiente nos autos para autorizar a condenação, além da imprecisa palavra das testemunhas policiais ouvidas em juízo”. Segundo ele, os policiais militares que atuaram na ação contam versões diferentes sobre a localização exata da arma de fogo apreendida.
Para o juiz, a denúncia do MP contra Adriano foi baseada em conjecturas. “A acusação não se desincumbiu de mostrar de modo irretorquível ter o acusado praticado a conduta criminosa, sustentando, desta forma, meras conjecturas. E essa é a solução consentânea no caso vertente”, escreveu Albuquerque na sentença.
Em abril de 2021, a defesa de Adriano apresentou um abaixo-assinado de moradores da Rua Zumbi dos Palmares, no bairro Armando Mendes, declarando que ele reside há mais de 10 anos naquela rua e que nunca se envolveu em qualquer atividade ilícita naquela localidade. O documento diz que ele é “querido” por todos os 28 assinantes.
Após a absolvição de Adriano, Adilson e Nilson manifestaram interesse em continuar a disputa sobre a propriedade da arma. No dia 6 de outubro do ano passado, o juiz determinou que ambos procurassem o Juízo Cível para resolver a questão que, segundo ele, “não é comportável no âmbito deste Juízo Criminal”.