EDITORIAL
MANAUS – O termo “futriquinhas” foi usado pela vereadora Glória Carrate (PL) e esconde uma realidade que a maioria dos vereadores da Câmara Municipal de Manaus quer manter sob a escuridão. A vereadora usou a tática do “deixem disso, vamos mudar de assunto”, para não expor o que é de interesse público.
No mesmo dia em que Carrate se manifestou, outros dois vereadores – Wallace Oliveira (PROS) e Luís Mitoso (PTB) – destilaram palavras insultuosas ao vereador Rodrigo Guedes (PSC) por esse cobrar uma mudança de postura da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Manaus em relação aos gastos do Poder Legislativo municipal.
São cobranças como as de Rodrigo Guedes que Glória Carrate categoriza como “futriquinhas”. Na visão da vereadora, o Parlamento Municipal não deve ser usado pelos vereadores para tratar de problemas dessa natureza. Para ela e para a maioria dos parlamentares, o gasto excessivo de dinheiro do contribuinte deve ser tratado entre quatro paredes, bem distante da população em geral e dos eleitores em particular.
Um desses gastos excessivos será feito com o aluguel de 41 picapes para serem presenteadas aos vereadores – a Câmara Municipal de Manaus tem 41 vereadores. Rodrigo Guedes oficializou na terça-feira que não aceita o presente. O gasto anual será de R$ 3,9 milhões.
Ora, senhoras e senhores leitores, a Câmara Municipal de Manaus já disponibiliza R$ 18 mil por mês a cada gabinete para que o vereador gaste como bem quiser: com aluguel de carros, ônibus, barcos; com compra de combustível (alguns gastam até o limite de R$ 9 mil por mês com gasolina e diesel), entre outras despesas.
Mas o presidente David Reis (Avante), com a concordância da maioria dos vereadores da Casa, acha pouco e quer alugar mais uma picape para cada um, com dinheiro que está sobrando no Poder Legislativo municipal.
Como está sobrando muito dinheiro, o presidente da Câmara e seus apoiadores também querem construir um novo prédio ao custo de R$ 32 milhões, para acomodar os gabinetes dos parlamentares.
Na terça-feira (14), o presidente David Reis argumentou que os vereadores precisam de mais espaço e, nas palavras dele, de “gabinetes isonômicos”. E disse que o gabinete do vereador Caio André (PSC) é “menor que uma caixa de fósforo”.
Esse “problema” apontado por David Reis foi criado pelos próprios vereadores de Manaus, que sustentam uma regra que lhes permite contratar de 20 (número mínimo) até 40 auxiliares, indicados por vontade própria de cada um, e pagos com a verba de gabinete (R$ 60 mil por mês para cada parlamentar).
Já dissemos aqui neste espaço que um vereador não precisaria de mais de cinco auxiliares para fazer um bom trabalho, e que dez assessores já seria um limite excessivo. A Câmara poderia elevar os salários dos auxiliares para ter profissionais mais capacitados nas áreas que mais precisa. E assim, sobrariam espaço nos gabinetes, sem a necessidade de ampliação do prédio.
Neste ano, a Câmara Municipal de Manaus recebeu até agosto R$ 115,7 milhões de repasses da Prefeitura de Manaus e mais R$ 7,9 milhões da mesma fonte referente a excesso de arrecadação. A receita da Câmara representa 4,5% da receita corrente líquida do Município de Manaus.
No ano passado, até agosto, a Câmara recebeu R$ 112,2 milhões em repasses. E no ano inteiro, a receita por excesso de arrecadação foi de R$ 2,6 milhões.
Para efeito de comparação com o ano anterior à pandemia, o orçamento da Câmara nos primeiros oito meses de 2019 foi de R$ 99,2 milhões, com excesso de arrecadação nos 12 meses daquele ano de R$ 6,6 milhões.
Isso significa que, apesar de os vereadores e seus auxiliares passarem mais de um ano trabalhando de casa, o orçamento da Câmara cresceu e muito. A crise que afetou a maioria das famílias manauaras, passou longe do Parlamento municipal.
Enquanto muitos amargaram a perda do emprego e a redução de salários, a arrecadação municipal cresceu e o orçamento da Câmara Municipal foi inflado.
Como a lei só impede que o percentual de repasses seja maior do que o estabelecido, a Câmara poderia abrir mão de um orçamento tão robusto e devolver o excedente aos cofres municipais para serem investidos em benefício de todos os seus habitantes.
Foi o que propôs Rodrigo Guedes e o vereador Amom Mandel (sem partido). A cobrança desses parlamentares despertou a ira de alguns colegas, e a discussão, saudável, apesar de ofensiva por parte de quem defende os privilégios, foi taxada de “futriquinhas” por Glória Carrate.