
Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Impasse na Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) tem dificultado o entendimento da Justiça Federal sobre a situação da exploração de gás natural no Complexo do Azulão, entre Silves e Itapiranga, na Região Metropolitana de Manaus. Desde 2021, com licença do Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), a empresa Eneva explora o gás na região.
O MPF (Ministério Público Federal) alega que existem nove aldeias na área de exploração e pede a suspensão das licenças concedidas à empresa para que os indígenas sejam ouvidos. A Eneva, no entanto, afirma que não existem terras indígenas homologadas ou em estudo na área de influência do Complexo do Azulão. Ambos mencionam dados da Funai.
A confusão de informações atribuídas à Funai refletiu nas discussões que ocorrem no âmbito da ação civil pública que tramita desde o ano passado na Justiça Federal do Amazonas. Nesse processo, a Aspac (Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural) e o cacique Jonas Mura pedem consulta a indígenas sobre o empreendimento.
O setor jurídico da Funai tem adotado posicionamentos contrários ao da própria instituição. Em manifestações enviadas à Justiça, os advogados da fundação alegaram que o órgão não registrou comunidades indígenas na área de impacto do empreendimento e pediram o fim do processo judicial, com a continuidade da atividade.
O pedido foi classificado pelo juiz Rodrigo Mello, da Justiça Federal do Amazonas, como “grave”, conforme decisão proferida no dia 9 deste mês. “A manifestação do jurídico responsável pela representação da Funai nos autos, em que pede arquivamento do processo por ausência de interesse, é fato grave”, disse o magistrado.
Mello sustentou que a solicitação “demonstra, no mínimo, ausência de troca de informações entre a representação jurídica e o órgão indigenista do Poder Executivo”. Para ele, é “de extrema importância a colheita direta de dados do órgão indigenista de modo a evitar risco aos indígenas da região e que situações como esta não se repitam”.
A presença de indígenas na região é fator capaz de impedir a exploração do gás natural no Complexo do Azulão, da mesma forma que tem barrado a mineração de potássio em Autazes, também na Região Metropolitana de Manaus. Naquele caso, desde 2015 a empresa Potássio do Brasil tenta viabilizar o empreendimento, mas tem sido impedida por decisões judiciais.
A Justiça Federal do Amazonas entende que, diante da presença de indígenas na área de impacto do empreendimento, já não cabe mais ao órgão estadual a emissão da licença, mas ao Ibama. E, segundo a Justiça, o licenciamento ambiental só pode ocorrer após autorização do Congresso Nacional e consulta aos povos indígenas que vivem naquela área.
No caso de Autazes, os indígenas impactados com o empreendimento já têm o protocolo próprio de consulta, mas as terras ainda não estão demarcadas. Sobre os povos de Silves e Itapiranga, as terras não estão demarcadas e o protocolo de consulta começou a ser discutido no fim do ano passado, conforme publicou o ATUAL.
A Funai é um órgão importante nesse processo, pois é responsável por fazer o reconhecimento da área reivindicada pelos indígenas. No fim do ano passado, segundo o cacique Jonas Mura, a fundação prometeu fazer uma expedição às terras indígenas para iniciar o processo de demarcação do território do povo Mura.
A associação e o cacique Jonas Mura apresentaram um relatório em que, segundo eles, a Funai reconhece a área indígena em questão. No dia 9 deste mês, o juiz deu 15 dias para que eles apresentassem os documentos que comprovam a delimitação da área ocupada pelos indígenas e a distância do empreendimento para a comunidade.
Impasses
Recentemente, o MPF pediu a suspensão imediata de todos os processos de licenciamento ambiental perante o Ipaam que envolvam a empresa Eneva. Pediu também a suspensão da exploração de poços de gás e/ou petróleo em áreas que se sobreponham aos territórios indígenas, extrativistas e de povos isolados impactados pelo empreendimento.
O MPF entende que o órgão estadual não possui competência para o licenciamento ambiental de atividade complexa e sensível e que impacta diretamente o modo de vida de comunidades indígenas e ribeirinhas. O Complexo do Azulão deve impactar a vida de pelo menos 190 famílias indígenas e de comunidades tradicionais que vivem na região.
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