
Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Indígenas Mura do município de Silves (a 181 quilômetros de Manaus) iniciaram, na última terça-feira (24), a elaboração de um protocolo próprio de consulta, que vai estabelecer as condições para a concretização de projetos que impactem as comunidades indígenas da região.
Cerca de 800 indígenas vivem há pelo menos 60 anos em sete comunidades localizadas nos rios Anebá e Urubu, na zona rural de Silves, segundo o cacique Jonas Mura, de 45 anos. As comunidades ficam a cerca de 30 quilômetros da sede, em linha reta. Pelo rio, uma hora de viagem. Por estrada, 1 hora e 45 minutos.
Com o documento, os indígenas buscam estabelecer como devem ser consultados sobre os empreendimentos da empresa Eneva S/A que causem impacto na vida deles. A companhia já explora o gás natural e faz estudos em poços de petróleo entre Silves e Itapiranga.
“Com esse protocolo de consulta, nós vamos poder estar indicando à população o que nós queremos e o que nós não queremos que aconteça dentro do nosso território. Onde é área de preservação, onde não é. São essas coisas que o nosso protocolo de consulta vai falar”, afirmou o cacique.
Segundo Jonas, o Campo do Azulão, onde a Eneva explora o gás natural, já causa transtornos para as comunidades indígenas. O barulho causado pelas dezenas de carretas que transportam o produto para Roraima tem afugentado as caças.
“O impacto daquele empreendimento ali que está sendo feito em Silves é sobre a questão do transporte dele, os caminhões, os grandes barulhos que vem afugentando as nossas caças. Esses caminhões que ficam diretamente de dia e de noite transitando naquela rodovia afugentou a nossa alimentação, que é as caças”, afirmou o cacique.

Em maio deste ano, a pedido de indígenas, a Justiça Federal suspendeu as licenças concedidas pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) à Eneva. A empresa conseguiu reverter a situação, alegando que a ordem judicial poderia causar o desabastecimento de usinas termelétricas de Boa Vista (RR), que são abastecidas com o gás do Campo do Azulão, em Silves. O caso ainda está sendo analisado pela Justiça.
A Aspac (Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural), autora da ação civil pública, alegou que cabe ao Ibama o licenciamento, pois o empreendimento impacta comunidades indígenas e outros estados. Caso esse entendimento seja aceito, os indígenas terão que ser ouvidos.
Enquanto não há decisão definitiva sobre o órgão competente para licenciar o empreendimento, os indígenas se mobilizam para criar o protocolo de consulta e demarcar o território.
De acordo com Jonas, em novembro, uma equipe da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) fará uma expedição às terras indígenas para iniciar o processo de demarcação do território do povo Mura.
“A Funai está entrando do dia 6 ao dia 11 de novembro. Já estão fazendo um reconhecimento e delimitando sobre as questões dos pontos de georreferenciamento da nossa área. E estão fazendo os levantamentos sobre os cemitérios sagrados, castanhais, copaibais, sobre os lagos onde a gente pesca, os rios que estão dentro dessa área de terra”, afirmou Jonas.
“A gente vai ter essa visita da Funai e depois vai saber, realmente, onde é o nosso limite, se realmente a empresa está dentro ou está fora. É uma coisa que quem vai falar isso são os pontos de georreferenciamento, que a gente vai passar para a Funai”, completou o cacique.
O início da elaboração do protocolo de consulta ocorreu com um encontro realizado na terça-feira com um grupo de comunitários e representantes de entidades não governamentais. Segundo Jonas, os indígenas foram informados sobre a importância do documento para a comunidade.
“É um documento que a gente está fazendo para dar um reconhecimento de que nós existimos ali naquela área há muitos anos”, afirmou Jonas Mura. “Sem o protocolo de consulta hoje, a gente fica meio desorientado. Até para passar algumas informações, indicar algumas informações, a gente meio desorientado”, completou.
De acordo com o cacique, o protocolo de consulta não existia antes porque os indígenas não eram impactados com qualquer empreendimento.
“Por que a gente não fez antes? Porque antes a gente não tinha esse problema que estamos tendo hoje, que é a empresa Eneva fazendo seu empreendimento. Na realidade, tem uma parte do empreendimento dela que está dentro do nosso território”, afirmou Jonas.
“Tem um poço que está sendo cavado. Eles falaram para gente que será uma experiência em forma de testes, mas está dentro da nossa área. E há três poços que eles cavaram dentro da nossa área, só que estão fechados neste momento. Mas eles cavaram três poços para fazer testes dentro da nossa área”, completou o cacique.
A busca pelo reconhecimento tem esbarrado em falta de apoio do poder público, além de ameaças, afirmou Jonas, que hoje é acolhido pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
“Hoje, o governo junto com o Ipaam ficam falando que ali não tem indígena. O próprio município, o próprio prefeito também fica falando essas coisas. Mas nós já existimos ali há 60 anos. Eu nasci ali, estou com 45 anos. Meu pai morou ali durante até 96 anos, já é falecido. Minha mãe está com 86 anos e está até hoje lá. E nós somos povo indígena Mura. Eu nasci lá, sou Mura. Minha mãe não nasceu naquele lugar, mas ela veio pequena, com 10 anos. Ela veio do município de Borba, da Aldeia do Arari”, afirmou Jonas.
O cacique disse que há dez anos os comunitários recebem assistência do Dsei Manaus (Distrito Sanitário Especial Indígena). “Hoje nós temos uma equipe do Dsei Manaus que nos atende lá com médico, enfermeiro, dentista. Temos piloto fluvial, temos motorista, temos uma viatura do governo federal que dá o suporte sobre essa questão da saúde”, afirmou Jonas.
“Sofri várias ameaças. Houve há uns três anos atrás a queima da nossa casa lá. Alguns ataques diretamente para mim, queimaram a minha residência. E por causa disso, a gente teve outras denúncias, de que eles iam metralhar a casa e tal”, disse o cacique.