Por Jullie Pereira e da Redação
MANAUS – Reconhecida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mas sem base jurídica, a candidatura coletiva é pouco conhecida, mas tem sido praticada nas eleições. Em 2018, candidatos apoiados por esse mecanismo foram eleitos em São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, segundo dados do Instituto Arapyaú. No Amazonas não há registro de candidaturas coletivas.
Nesse tipo de candidatura, um grupo de candidatos forma uma espécie de chapa para disputar a eleição e se inscreve no TRE (Tribunal Regional Eleitoral), mas apenas um será o candidato ‘oficial’. Um dos integrantes do grupo se registra, com base nos mesmos critérios de todos os outros postulantes, e é a foto dele que aparecerá nas urnas. A diferença é que, se eleito, ele se identificará como ‘mandato coletivo’, ‘candidatura coletiva’. Como não existe previsão na lei para que mais de um candidato assuma um posto, essa é a única opção viável para essas iniciativas.
O eleito se compromete, através de contrato registrado em cartório, a exercer o mandato expondo suas decisões à aprovação do grupo. O eleito precisa ser filiado a um partido, mas os demais não. Ou podem ter filiação de partidos diferentes.
Pioneirismo
Em Manaus, uma candidatura coletiva vai disputar pela primeira vez vaga na CMM (Câmara Municipal de Manaus) em 2020. O grupo, formado por homens e mulheres, é filiado ao Psol (Partido Socialismo e Liberdade) e pretende defender pautas temáticas como questões de gênero e raça.
O nome que constará na urna como representante do grupo é o da produtora audiovisual Michelle Andrews. “Não nos sentimos representados como ativistas e militantes em pautas da cultura, da educação, das LGBTIs, das mulheres e da negritude, pois são pautas desprezadas por muitos que ocupam os espaços de decisão na Câmara Municipal de Manaus. Isso nos motivou a construir um projeto coletivo de candidatura, onde cada participante pode desenvolver sua pauta, criando propostas e debatendo com o eleitorado Manauara”, diz Michelle.
A ‘Candidatura Coletiva do Psol’ reúne dez nomes: Alessandrine Silva, Apoena Grijó, Bruno Santos, Marklize Siqueira, Michelle Andrews, Nicole Fernandes, Pedro Cacheado, Roberto Fernandes, Silvia Moraes e Vanessa Monteiro. Todos vão disputar o pleito firmando um contrato em cartório.
Em caso de eleição, os co-candidatos podem assumir cargos na composição do gabinete e serem remunerados. Michelle Andrews diz que “essa dinâmica financeira vai obedecer a lei vigente”. Geralmente, são contratados como assessores parlamentares.
Andrews diz que, em caso de eleição, levará o debate dos mandatos coletivos à Câmara Municipal, “Caso consigamos o mandato coletivo vamos fazer valer os debates sobre co-vereadoras e co-vereadores para uma melhor participação na CMM”, diz.
Fidelidade partidária
“A candidatura coletiva não tem respaldo legal, então oficialmente isso ainda não existe. Mas as pessoas podem fazer um contrato no cartório dizendo que aquele que foi eleito vai consultar o grupo na hora de votar e a vontade dele não vai prevalecer, será uma decisão democrática em prevalecerá a vontade da maioria, ele vai votar naquele tema de acordo com o que o grupo decidiu”, explica o analista judiciário do TRE-AM Leland Barroso.
Os contratos feitos pelos coletivos não são supervisionados pela justiça eleitoral e o parlamentar oficialmente eleito não tem obrigação de cumpri-los, pois oficialmente o mandato pertence à ele. Mesmo assim, o TSE admite o registro das candidaturas com o termo ‘coletiva’.
Leland diz que nesse ‘compartilhamento’ do mandato, o eleito tem que ter comprometimento partidário. “O candidato precisa ser filiado ao partido e precisa seguir a linha do partido ou será expulso por infidelidade. Então, precisa seguir as orientações do partido mesmo dentro desse contrato com essas pessoas”, diz.
O analista considera legítima essa estratégia e ajuda a reforçar a democracia. “A gente tem uma quantidade de partidos muito grande no país e as pessoas, insatisfeitas, precisam buscar novas formas de manifestação. Eu acho que todas elas são democráticas e ampliam a democracia”, enfatiza.
Segundo Leland, existe um problema que é uma falta de democracia dentro dos partidos. “Ás vezes a pessoa quer se candidatar, mas o partido já tem um ‘dono’ que diz quem vai ser candidato prioritário, e esses são problemas que poderiam ser superados com outros mecanismos de candidatura”.
Organização
Pesquisa do Instituto de Políticas Públicas mostra quais são os elementos básicos em um mandato coletivo. O parlamentar é quem administra e ocupa legalmente o assento legislativo, os co-parlamentares são as pessoas que participam do mandato e podem influenciar e determinar o posicionamento do eleito em suas votações e outros exercícios legislativos.
Todas essas regras são estabelecidas em estatuto próprio de cada mandato e nos casos registrados a tendência ideológica dos integrantes costuma ser a mesma, o que facilita na hora dos debates e consensos. A pesquisa também ressalta que as experiências coletivas são observadas há mais de 20 anos, mas se amplificaram após as eleições de 2014, com destaque para as eleições de 2016 que trouxe o registro de 70 candidaturas e 16 mandatos em modelos coletivos ou compartilhados.
Bancada Ativista
Uma candidatura coletiva foi eleita pela primeira vez em São Paulo. A Bancada Ativista, formada por nove ativistas políticos de diversas áreas, recebeu 149.844 votos e foi a 10ª candidatura mais votada no estado no pleito para a Assembleia Legislativa.
Foi a primeira vez que uma candidatura coletiva vence as eleições em um grande colégio eleitoral, após experiência similar obter sucesso elegendo, em 2016, um mandato coletivo na Câmara dos Vereadores em Alto Paraíso (GO). Na cidade goiana, o grupo é composto por cinco pessoas.
A Bancada Ativista, representada nas urnas pela jornalista Mônica Seixas (Psol), tem integrantes de diferentes correntes políticas, como filiados aos partidos Rede e Psol, e também pessoas sem ligação formal com nenhuma legenda.