Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – Iniciativas produtivas sustentáveis no Amazonas geraram R$ 70,9 milhões de 2016 a 2019. O valor consta em levantamento de produção do Programa Bolsa Floresta, disponibilizado pela FAS (Fundação Amazonas Sustentável). O grupo de iniciativas é formado por nove cadeias produtivas e três atividades econômicas sustentáveis desenvolvidas em 15 unidades de conservação.
Nesses quatro anos, a produção mais rentável foi a da farinha que gerou R$ 22,5 milhões com 33,1 milhões de quilos do produto. Foi seguida pelo manejo de pirarucu, R$ 17,8 milhões e uma produção de 3,9 milhões de quilos. Em terceiro vem a banana, R$ 12,1 milhões e 53,7 milhões de quilos.
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A agricultura familiar, turismo e o cultivo da castanha estão em quarto, quinto e sexto lugares, respectivamente. O plantio de frutas, legumes e verduras nesse período totalizou 20,7 milhões de quilos, com rendimento de R$ 5 milhões.
Atividades turísticas nas unidades de conservação atraíram 74 mil pessoas e renderam R$ 4,5 milhões para a economia do estado. Já a produção de castanha teve volume de 2,6 milhões de quilos, equivalente a R$ 3,3 milhões. Além dessas, a economia sustentável teve participação da produção de açaí, guaraná, óleos vegetais, cacau, artesanato e manejo florestal.
Pela avaliação da renda, as famílias produtoras de guaraná, pirarucu e farinha tiveram as maiores médias de faturamento no período, com R$ 2,6 mil, R$ 2,2 mil e R$ 1,7 mil, respectivamente. De 2016 a 2019, o faturamento bruto médio por núcleo familiar foi de R$ 1.314,00. Nesse período, 48.564 famílias desenvolveram atividades extrativistas nas unidades de conservação, com uma média de 111 por cadeia produtiva ou atividade econômica sustentável, segundo o levantamento.
Benefícios
Virgilio Viana, superintendente geral da FAS, explica que além da preservação ambiental há a questão da saúde, pois a produção envolve o uso mínimo de agroquímicos. “Tem o componente de introduzir comida saudável, não envenenada”, diz.
Outro fator é a redução das desigualdades sociais. “Quem está produzindo isso está na base da pirâmide da pobreza. Está gerando renda de forma ecologicamente apropriada e socialmente mais justa que o sistema de agricultura comercial”.
De acordo com Viana, essa valorização do produtor familiar é possível pela agregação de valor ao produto. “Um dos grandes desafios que a FAS está envolvida agora é em ‘gourmetizar’, pegar a farinha do Uarini que é produzida em pequena escala e tornar isso um produto caro, com maior valor agregado. É o que ocorre hoje na produção da Europa de azeite daquelas comunidades tradicionais com uma produção em grande escala”, afirma.
Viana explica que a ‘gourmetização’ é uma forma de manter viável o trabalho dos pequenos produtores. “Eu vejo um caminho de uma certa forma análogo, usando a marca amazônica. E comunicando para o consumidor que esse é um produto que vale mais”.
Essa agregação de valor encarece o produto, o que pode dificultar o acesso pela maior parte da população. Mas, segundo o superintendente da FAS, isso é um problema gerado não pela valorização do item, mas pela má distribuição de renda. “Não é um problema de o produto ser acessível (a consumidor de maior renda), é que o país tem uma distribuição de renda horrível. Tem que ser resolvido de outra forma. Não é problema de ‘gourmetizar’, é problema de nós não termos uma sociedade mais justa”, explica.
Viana afirma que os produtos mais baratos acabam saindo mais caros à população pelo desgaste ambiental que promovem. “Se o plantio daquela soja causa a erosão e contaminação do Rio São Francisco e esse rio morre, quem paga essa conta? Isso não está computado no produto. Ele está sendo subsidiado pela degradação da natureza”.
Potencial econômico
Sérgio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, associação civil que apresentou ao Ministério da Economia, em 2019, um estudo para complementar as atividades do modelo Zona Franca de Manaus, defende que essas atividades da bioeconomia sejam somadas ao Polo Industrial com o recebimento de mais recursos.
“O que a gente está dizendo é que essas atividades da bioeconomia precisam receber o mesmo aporte significativo que atividades de cunho industrial para que possam fazer parte da Zona Franca, porque elas têm um potencial imenso do ponto de vista da economia”, afirma.
O diretor do Escolhas cita como fonte de recursos o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Segundo o estudo, se forem destinados 10%, até 2022, do financiamento do Pronaf que é dado hoje na Amazônia para a pecuária, haverá escala que essas atividades da bioeconomia precisam para mostrar que podem gerar recursos para irem complementando as atividades da ZFM.
“Estamos vendo aí problemas de fábricas saindo da Zona Franca alegando problemas de competitividade econômica. E o próprio avanço tecnológico da robotização está fazendo com que haja uma perda gradativa de empregos naquilo que é o principal gerador de atividades de emprego na região”, diz.
Sérgio Leitão cita como exemplo extraído do estudo a piscicultura, que tem uma produção no Amazonas de R$ 72 milhões. “Nós propusemos um crescimento anual da demanda de 10%. Um crescimento conservador. Isso já permitiria que de R$ 72 milhões chegasse a R$ 169 milhões, isso é ao longo de dez anos. Criaria só na piscicultura 8 mil empregos diretos, 900 mil empregos indiretos, e de empregos induzidos, isto é, a partir dos efeitos desse estímulo à atividade, 1.432 empregos”.
Sérgio Leitão afirma que quase todo recurso do país vai para as atividades do agro, como pecuária e soja, e a bioeconomia recebe muito pouco. Segundo ele, esse estímulo financeiro ajudaria o Brasil na pauta da exportação.
“O Brasil não tem laboratório para testagem da qualidade sanitária da castanha para dizer que é livre de qualquer problema para a saúde. Ora, você não tem os laboratórios, a Bolívia tem. Ela consegue explorar e vender e o Brasil que tem uma produção de castanha acaba ficando prejudicado”, exemplifica.
Apesar do alto rendimento que os negócios da floresta geram, a Amazônia tem pouca participação no cenário internacional. Sérgio Leitão cita pesquisa do professor brasileiro Salo Coslovsky, da Universidade de Nova York.
“A exploração dos produtos da floresta rende por ano US$ 170 bilhões e no caso da Amazônia ela só participa com US$ 300 milhões. Isso dados de 2017 a 2019. Estou falando de castanhas, sementes, cacau, pimenta, peixe. Ou seja, se existe esse giro econômico no mundo, por que que a Amazônia não pode aumentar substancialmente a sua participação neste mercado de produtos da floresta?”, questiona.
Expansão do mercado
Já Virgilio Viana afirma que no momento o foco da produção é local, como um processo de formação e treinamento de novos agentes econômicos, para que haja uma expansão gradual para outros mercados.
“O pirarucu já é vendido fora do Amazonas, o açaí (também). Assim a gente tem uma visão que esses produtos possam sim ganhar novos mercados, em especial no Centro-Sul do Brasil, mas também no exterior, que tem um apetite enorme por esse tipo de produto socialmente justo e ambientalmente sustentável”, afirma.
Segundo o superintendente, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte são alguns dos estados que consomem esses produtos do Amazonas.
De acordo com dados da Sepror (Secretaria de Produção Rural) e Idam (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas), as principais atividades extrativistas desenvolvidas com recursos oriundos da Amazônia no estado são a extração de açaí, borracha, castanha -do- Brasil, tucumã, cacau, óleo de copaíba, óleo de andiroba, óleo de breu, óleo de cumaru, buriti, manteiga de murumuru, manteiga de ucuúba e piaçava.
Dentro do cultivo da agricultura familiar estão a melancia, banana, açaí, abacaxi, cupuaçu e mais de 100 produtos do campo. A Sepror destaca o plantio de abacaxi, açaí e banana, que contam com a participação de 584, 3.914 e 11.922 agricultores familiares, respectivamente.
Pós-pandemia
Para Sérgio Leitão, esse potencial produtivo também existe no ecoturismo que pode atrair turistas no pós-pandemia. Com a Covid-19, a tendência é que turistas busquem atividades na natureza para fugir de ambientes fechados. Leitão afirma que o segmento movimenta R$ 1,5 bilhão no estado e pode aumentar esse valor com investimento em capacitação.
“A gente está mostrando aqui que ele pode gerar 62 mil empregos se houver, por exemplo, todo esse processo de capacitação que a gente apresentou ao Ministério da Economia e também foi entregue ao vice-presidente Hamilton Mourão”, estima o presidente do Instituto Escolhas.