Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Os antigos proprietários de terras onde a Eneva construiu empreendimento para explorar gás natural, entre Silves e Itapiranga, na Bacia do Amazonas, entraram na Justiça para anular a compra e venda do imóvel. Uma idosa e seus nove filhos alegam que foram enganados pela empresa e, por isso, venderam por R$ 400 mil o lote que, segundo eles, vale R$ 107 milhões.
O advogado da família afirma que, à época da negociação, a mulher, que tem 76 anos, e os filhos dela foram orientados por uma advogada que atua em favor da Eneva, mas eles não detinham essa informação quando fecharam o acordo desvantajoso. Na Justiça, eles afirmam que a advogada “colocou seus interesses pessoais acima daqueles interesses de seus clientes”.
Para anular a compra e venda do terreno na Justiça, a defesa da família alega a desproporção existente entre o valor pago e o real valor de mercado do imóvel à época do negócio. Aponta, ainda, a inexperiência, a idade avançada e o baixo grau de instrução da mulher, e a “malícia e o ardil” praticados pela companhia que explora o gás no Campo de Azulão.
Em entrevista ao ATUAL, o advogado Ícaro Almeida Augustinho, que atua no caso, explicou as circunstâncias do processo de compra e venda do imóvel e revelou que, hoje, a idosa, identificada como Maria Amélia, vive em condições de miserabilidade em Manaus. Do valor recebido pela Eneva, ela ficou com a metade e R$ 200 mil foi dividido entre os nove filhos.
A contestação da venda do imóvel é mais uma pendência jurídica que envolve a exploração da gás natural no Campo de Azulão. Em março deste ano, o ATUAL publicou reportagem mostrando que o ISS (Imposto Sobre Serviços) pago pela Eneva, cujo valor não foi revelado pela companhia, gerou uma disputa judicial entre os municípios de Itapiranga e Silves.
Silves, que atualmente recolhe o imposto, tenta impedir a cidade vizinha de pleitear 50% do valor que arrecada. Nessa disputa, ambos apresentam interpretações diferentes sobre a Lei Estadual nº 1.707/85, que estabelece a linha divisória entre os dois municípios. Essa norma não usa coordenadas geográficas, apenas pontos de referência, para definir o limite territorial.
Leia mais: ISS de empresa de gás gera ‘briga’ judicial entre municípios do Amazonas
O terreno
A idosa afirma que, em abril de 2019, representantes da Eneva ofereceram a ela R$ 100 mil pelo imóvel, que tem 750 metros de frente e mil metros de fundo. Inicialmente, ela recusou a proposta e a companhia aumentou a oferta para R$ 400 mil, valor que foi aceito. No mês seguinte, eles formalizaram promessa de compra e venda e fecharam o negócio.
O advogado afirma que, durante a negociação, a idosa perguntou a pelo menos três representantes da companhia porque eles estavam interessados naquela área e, segundo a defesa, eles foram “categóricos em afirmar que seria para compensação ambiental, pois iriam desmatar todo o terreno em frente a propriedade” dela para construção de uma termelétrica.
Ainda de acordo com o advogado, a mulher também chegou a perguntar se na propriedade que era dela existia reserva de gás natural, pois no terreno em frente existia um poço perfurado pela Petrobras. Entretanto, segundo a defesa da família, os representantes da Eneva disseram que só havia gás natural no imóvel vizinho.
“Havia um poço no terreno da frente. Todo o projeto era pra lá. De uma hora para outra, eles procuraram a dona Amélia e disseram que o terreno dela serviria para uma compensação ambiental, que iriam fazer uma termelétrica na frente do terreno dela. Ela indagou se o dela teria gás e eles disseram que não”, disse Ícaro Augustinho.
“Eles compraram o terreno da dona Amélia e um mês depois pediram autorização para perfurar poços no terreno, ou seja, eles já sabiam que tinha gás lá. O terreno da frente nem mexeram. Já no terreno que era da dona Amélia construíram o empreendimento e cavaram três poços que estão funcionando e mais dois para testar lá no fundo do terreno”, disse o advogado.
A mulher disse que, em novembro do ano passado, resolveu passar em frente ao seu antigo terreno e se assustou com o tamanho do empreendimento construído pela Eneva na área. Ela disse que soube através dos seus vizinhos que no local foi encontrado gás e foi até questionada sobre quanto estava recebendo de royalties pelo combustível extraído do local.
“[A mulher e os filhos] foram ludibriados pelas Compradoras, ora Requeridas, pois visando não pagarem a participação no resultado da lavra ‘royalties’ aos Requerentes pela extração de gás natural no imóvel nos moldes que determina a legislação especifica, informaram que nas terras dos Requerentes não existia reserva de gás natural”, diz trecho da ação.
Royalties
De acordo com o advogado da família, no dia em que foi vendido para a Eneva, o terreno valia pelo menos R$ 108,2 milhões, pois a Lei Federal nº9.478/1997 estabelece que os proprietários de áreas com reserva de gás têm direito a 1% da produção total e a reserva no local, segundo a Eneva, é de 6,3 bilhões de metros cúbicos. O valor do metro cúbico do gás é R$ 4,34.
Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo) apontados por Ícaro Augustinho mostram que, no Amazonas, apenas um proprietário de imóvel onde foi encontrado gás natural recebe, por mês, R$ 4,8 milhões em royalties. Trata-se do dono da área onde está a reserva do Urucu, no município de Coari (a 363 quilômetros de Manaus). Veja a tabela de abril de 2022:
O advogado sustentou que se a família soubesse que tinha gás no terreno, jamais teria vendido, mas alugado. “Quem sabendo que seu imóvel existia reserva de gás natural e que poderia receber mensalmente quase R$ 200.000,00 somente a título de participação especial, venderia o imóvel por R$ 400.000,00 (quatrocentos mil) ?! Ninguém, Excelência!”, disse.
De acordo com Ícaro Augustinho, a família já deveria estar recebendo, mensalmente, cerca de R$ 225 mil de royalties pelo gás extraído no local. “Silves está recebendo média de R$ 300 mil de royalties. O do município é 1,5% da produção bruta. O da dona Amélia era pra ser 1% da produção. Reduz meio porcento de R$ 300 mil e vai dar R$ 225 mil. Era o valor que ela deveria estar recebendo”, disse.
“Mês passado, a termoelétrica de Roraima começou a operar 100%, ou seja, a demanda de gás vai aumentar. Cada poço dá para produzir 650 mil metros cúbicos por dia, ou seja, a produção limite nos três poços que estão no terreno da dona Amélia vai dar mais de 30 milhões de metros cúbicos por mês. É como eles se manifestaram no processo: é uma mina de ouro”, disse Ícaro Augustinho.
Anulação do contrato
Na ação, a família pediu que a Justiça ordene a Eneva a pagar, imediatamente, aluguel provisório no valor de R$ 7,5 milhões enquanto o imbróglio não é resolvido. Ao final, quer que a Justiça anule a compra e venda e declare a perda de edificações construídas pela companhia no local ou, se decidir manter o negócio, que mande a Eneva indenizar a família em R$ 107,1 milhões.
“[Eles] eram proprietários de área com reservas de gás natural, no entanto, desconheciam a existência de tais reservas, pois se tivessem sido informados pelos representantes da Requerida, jamais teriam aceitado um valor tão baixo pelo imóvel, pois a própria Constituição Federal assegura ao proprietário da terra direito a participação no produto da lavra”, diz trecho da ação.
De acordo com Ícaro Augustinho, outros dois proprietários de terras em Silves também alegaram que venderam imóveis para a Eneva e estão preparando outras ações para anular os negócios. “A gente tem que verificar se, realmente, tem extração de gás no terreno. É próximo, no bloco do Azulão”, disse o advogado.
Produção de gás
Descoberta em 1999, a reserva de gás natural do Campo de Azulão foi declarada comercial pela Petrobras em 2004. Em novembro de 2017, a estatal anunciou a venda da área para a Eneva por US$ 54,5 milhões (à época, R$ 177,1 milhões) como parte do programa de desinvestimentos da companhia para o biênio 2017/2018.
Dados da ANP apontam que, entre janeiro e maio deste ano, a produção de gás no Campo de Azulão alcançou 45,1 milhões de metros cúbicos de gás natural, conforme imagem abaixo. O material extraído do local é transferido para o estado de Roraima, com o objetivo de abastecer a termelétrica de Jaguatirica II.
A Eneva anunciou o início das obras do empreendimento no chamado Campo de Azulão em outubro de 2019. Em evento com a participação dos prefeitos de Silves e Itapiranga, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), disse que apostava nos royalties gerados pela atividade mineradora para investimentos na Região Metropolitana de Manaus.
De acordo com o advogado da família, dados fornecidos pela própria Eneva apontam que a reserva de gás no imóvel era de 3,5 bilhões de m³, mas após a perfuração de três novos poços na mesma propriedade, a reserva aumentou para 6,3 bilhões de m³. No ano passado, a companhia informou que, em 2020, houve incremento de 60% da reserva.
Para a defesa dos ex-proprietários das terras, a “ganância por lucros cada vez maiores” fez a Eneva ludibriá-los, “eivando de vícios de consentimento o negócio jurídico entabulado entre as partes”. O advogado cita, entre as alegações para anular a compra, o dolo e a lesão geradas pelo que ele chama de “vício de consentimento”.
Procurada pela reportagem, a Eneva alegou que “seguiu todas as formalidades legais e deu total transparência ao processo de compra do imóvel onde atua no município de Silves”. A companhia informou que tomou conhecimento de que o assunto está judicializado e aguarda a decisão judicial, na qual demonstrará “toda a lisura referente a aquisição do imóvel”.
Em resposta à ação, a empresa sustentou que a família tenta obter “quantias multimilionárias às custas das rés, como se tivessem um dia sido proprietários, não do imóvel, mas de uma verdadeira mina de ouro de proporções continentais”.
OS EX PROPRIETARIOS FORAM LUDIBRIADOS, SIM.
APOIO A ANULACAO DA VENDA DA PROPRIEDADE, OU INDENIZACAO COM VALOR CORRETO E PAGAMENTO DE 1% DE ROYALTIES, MENSALMENTE, PELA EXPLORACAO DO GAS.
MONICA SEIXAS
Minha mãe também teve seu terreno vendido pela sua antiga sogra com documentos falsos está a 1 ano procurando seus direitos pois ela nunca assinou nenhum papel de venda do seu terreno e tem todos os documentos informando que ela é dona do terreno vendido friamente sem suas assinaturas e no terreno dela também tem um poço de gás ela é moradora do município de Silves e até hoje não teve nenhum retorno dessa empresa que está tirando proveito do terreno dela comprado com documentos frios.como falei anteriormente minha mãe tem todos os documentos do terreno que é seus todos os impostos pagos ,me admira muito uma empresa tão grande não ter tido o conhecimento de que uma outra pessoa vendeu algo que não era seu .