
Por Iolanda Ventura, do ATUAL
MANAUS – Deviam proporcionar uma travessia segura ao pedestre, mas faixas com essa finalidade em Manaus têm efeito contrário. Sem tempo de travessia nos cruzamentos, o pedestre é obrigado a correr porque a passagem está sempre liberada aos veículos. Especialistas em mobilidade urbana ouvidos pelo ATUAL alertam que os riscos vão desde a indução a atravessar no sinal vermelho ao aumento do risco de atropelamento.
Em uma das mais movimentadas avenidas da capital, a Djalma Batista, a faixa no cruzamento com a Avenida João Valério obriga o pedestre a ser rápido. Não há tempo suficiente para atravessar com segurança porque no momento em que o semáforo fica vermelho para os veículos que vêm na João Valério, fica verde para aqueles que estão na Djalma, e vice-versa.
O ATUAL acompanhou a movimentação no trecho na sexta-feira (10) e registrou momentos em que o pedestre espera no meio da faixa um carro passar para chegar ao outro lado. Veja AQUI nas imagens de Murilo Rodrigues.
Na Avenida Constantino Nery, no cruzamento com a Pedro Teixeira, o problema é o mesmo. O pedestre que precisa usar a faixa em frente à Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas precisa estar atento ao fluxo de veículos nas duas vias.

O problema é o mesmo em trecho da Avenida Autaz Mirim, conhecida como Grande Circular, na zona leste. Em dois pontos, mesmo com a faixa para pedestre, os semáforos estão sempre liberados para uma das vias no cruzamento. O pedestre conta com a educação de alguns motoristas que param para permitir a travessia.
Geraldo Alves, doutor em Engenharia de Transporte e professor de graduação e pós-graduação em Geografia da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), afirma que o semáforo pode ser programado para adicionar um tempo para o pedestre atravessar.
“O que você nota tanto no caso da Djalma Batista com a João Valério quanto lá da Constantino com a Pedro Teixeira é a falta desse tempo dedicado ao cruzamento do pedestre. Quando fecha para o fluxo de automóveis num sentido, já abre automaticamente para o outro”, diz.
Na avaliação de Geraldo Alves, o Immu (Instituto Municipal de Mobilidade Urbana) prioriza o trânsito de veículos e não de pessoas.
“Porque vamos considerar que se eu coloco um tempo adicional para que o pedestre complete em segurança essa travessia, esse tempo adicional está retendo o fluxo dos automóveis. Como os gestores aqui só enxergam o trânsito dos automóveis, eles não estão preocupados e querem dar fluidez aos automóveis”, critica.
Cristiano Paiva é doutorando em Geografia pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e autor do estudo em andamento “A Fluidez do Território em Manaus (AM): Infraestruturas de Transportes e Seletividades Socioespaciais”. Também integra o Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas da UFSC.
Paiva explica que no Brasil, para o cálculo do tempo de travessia, adota-se uma técnica que usa o “tempo médio” de travessia da via por uma única pessoa. Porém, diz o especialista, o grande problema consiste no fato de que os padrões usados para fixação desse “tempo médio” nem mesmo foram calculados por um órgão técnico brasileiro.
“São utilizados índices aferidos para populações de outros países (com diferente padrão de altura, faixa etária média, número de pessoas com deficiência na população, etc). Além disso, se em uma rua há um fluxo muito grande de pedestres e, enquanto aguardam o sinal abrir, eles formam ‘pelotões’ para atravessar, o cálculo do tempo semafórico apenas leva em conta o tempo necessário para a primeira fileira atravessar”, explica.
Paiva acrescenta que, em Manaus, a realidade se agrava pela falta de infraestruturas de transporte e de órgãos de controle de trânsito especializados e focados para a mobilidade dos pedestres.
Geraldo Alves afirma que o descaso com carros deixados em calçadas é um sinal de que os veículos são priorizados e não os pedestres.
“Você vê a quantidade de veículos abandonados sobre as calçadas, o que é proibido por lei. Tinha que ser multado, guinchado e cobradas multas altíssimas dos proprietários que deixam os automóveis sobre as calçadas, porque a calçada é a via principal de circulação dos pedestres”, diz.
O que fazer

Paiva afirma que é necessário obedecer o que preconiza o Código de Trânsito Brasileiro, na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012) e priorizar o pedestre.
“Para isso é preciso: passar a contabilizar o número de pessoas usando as vias; considerar o fluxo de pessoas a pé nas travessias; conhecer melhor os tempos necessários para atravessar; entender as necessidades de todos os pedestres (pessoas com dificuldade de locomoção, pessoas empurrando carrinhos de bebê, carregando compras, puxando malas, dando as mãos a crianças, de muleta, com o pé machucado, etc), e não apenas da ‘média”, propõe.
Alves sugere que para combater o problema, em um primeiro momento, os agentes de trânsito podem atuar junto às faixas orientando motoristas a priorizar a passagem de pedestres e multar quem não respeita as regras.
“Diante da lei todos os cidadãos são iguais, independente de qual é o modo que está usando para circular. Em outras palavras, quem dirige um automóvel em Manaus não está acima daquele que caminha”, ressalta.