Da Folhapress
SÃO PAULO – Em um sábado quente de julho de 1977, aconteceu no galpão de uma antiga funerária na zona norte do Rio de Janeiro o primeiro culto da igreja que viria a se tornar a Universal do Reino de Deus.
Liderada à época por R.R. Soares, que hoje comanda a Igreja Internacional da Graça de Deus, e seu cunhado Edir Macedo, a igreja com bancos de madeira pagos em prestações e pouquíssimos seguidores se tornou em alguns anos uma das mais poderosas denominações evangélicas do país.
A expansão vertiginosa da Universal é narrada em detalhes no livro “O Reino – A Igreja de Edir Macedo e uma Radiografia da Igreja Universal”, lançado em novembro pela Companhia das Letras.
A compreensão precoce de Macedo de que era preciso abrir caminhos na política para arregimentar fiéis e fazer sua igreja crescer é um dos fios condutores da obra do jornalista Gilberto Nascimento, que fez suas primeiras reportagens sobre a Universal em 1989.
“Edir Macedo sempre teve uma visão muito pragmática em relação à política. Ele dizia para outros pastores que não era suficiente ter só recursos financeiros. Tinha que estar aliado ao poder político”, afirmou o autor em debate promovido pela Folha de S.Paulo e pela Companhia das Letras na terça-feira, 17, em São Paulo.
Lançar candidatos em eleições para montar bancadas que representassem os interesses da Universal e se alinhar a governos de diferentes matizes ideológicos são resultados visíveis da estratégia empregada por Macedo desde meados da década de 1980.
“Ele sempre procurou estar próximo do poder e conviver bem com o governo, seja quem fosse, de centro, de direita ou esquerda. E o poder político sempre teve interesse. Os governantes quiseram estar perto das igrejas evangélicas.”
Nascimento comparou os discursos de Macedo sobre Luiz Inácio Lula da Silva, a quem ele chamava de demônio, à adesão da Universal aos governos petistas entre 2003 e 2016. “Eles ficam 14 anos ao lado do Lula e da Dilma. Quando a Dilma começa a perder apoio político, eles aderem ao impeachment e entram no governo Temer”, disse. Em 2018, Edir Macedo apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência.
Para o autor, a proximidade com os governos rendeu vários benefícios à Universal. O livro narra, por exemplo, como em 1989 o então presidente eleito Fernando Collor de Mello intercedeu junto a Silvio Santos, dono de parte da TV Record, para viabilizar a compra da emissora por Macedo.
Ao refletir sobre os sentidos atuais da importância da Universal na política brasileira, o autor afirmou reconhecer que Jair Bolsonaro é o presidente mais próximo do pensamento da organização.
“Hoje as igrejas evangélicas têm uma pauta imensa de pedidos e benefícios que esperam obter do governo. O governo Bolsonaro vem acenando com o atendimento de tudo, até com a indicação de um ministro ‘terrivelmente evangélico’ no STF.”
Mediador do debate, o jornalista da Folha de S.Paulo Flávio Ferreira questionou as dificuldades que o autor enfrentou para cobrir o tema. Na avaliação de Ferreira, a obra é muito respeitosa ao apresentar as pessoas envolvidas.
Nascimento ressaltou a preocupação em incluir no livro apenas informações verificáveis por meio de relatos ou documentos. “Muitas coisas que as pessoas falaram em off (sob condição de anonimato), a gente não tinha como usar, principalmente se fossem graves.”
O jornalista também defendeu que é preciso enxergar a complexidade do universo das igrejas evangélicas. O livro oferece um panorama dos diversos tipos de denominações -como protestantes tradicionais, pentecostais e neopentecostais- e explica, em linhas gerais, sua evolução.
“Desde quando eu cobria a área de igreja na Folha, eu tinha uma preocupação com essa questão didática. Às vezes a gente lê em uma reportagem que fulano é evangélico, mas de qual igreja? Dentro do arco evangélico, há um guarda-chuva muito grande”, defendeu.
Nascimento cobriu episódios da Universal que geraram forte repercussão negativa, como a revelação de vídeos em que Edir Macedo orienta pastores a conseguir doações de fiéis usando a expressão “ou dá ou desce” e os chutes que o bispo Sérgio von Helde desferiu em uma imagem de Nossa Senhora Aparecida durante o programa “Despertar da Fé”, da Record.
Para o jornalista, eventos desse tipo não devem dar margem a intolerância religiosa. “Não tem cabimento cercear o direito de seguir o credo que a pessoa preferir. Como jornalistas profissionais, podemos questionar práticas condenáveis ou inadequadas, seja de qual religião for.”