Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Em novembro de 2013, o então presidente do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas), desembargador Ari Jorge Moutinho, disse à reportagem do ATUAL que era “impagável” a dívida da PAE (Parcela Autônoma de Equivalência), devida a 315 magistrados da ativa, aposentados e pensionistas. Seis anos depois, a afirmação se mostra real, na prática.
De acordo com o TJAM, atualmente, o valor da dívida da PAE que era de R$ 358,2 milhões, chegou a R$ 618,1 milhões em novembro deste ano. Desse total, já foram pagos R$ 279,6 milhões a e ainda faltam pagar R$ 338,5 milhões.
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Além disso, o TJAM também paga o valor referente à correção da URV (Unidade Real de Valor), que é a moeda provisória que deu origem ao Real. Só essa correção gera uma dívida, atualizada em novembro deste ano, de R$ 58,4 milhões.
A PAE foi criada para pagar uma dívida gerada a partir de um entendimento de que os magistrados de todo o Brasil tinham direito ao auxílio-moradia pago aos deputados federais entre setembro de 1994 e dezembro de 1997, tempo que o benefício também deveria ser pago aos magistrados. Em 2000, juízes de todo o país ganharam na justiça o direito de receber o auxílio incorporado aos vencimentos e, em 2010, o TJAM começou o pagamento.
O crescimento da dívida entre 2010 e 2019 revela que se torna cada vez mais difícil sanar a dívida com os magistrados do Amazonas, pois todos os meses ela aumenta em função dos juros e correção monetária.
Em 2010, por exemplo, o valor da dívida era de R$ 358,2 milhões e o Tribunal de Justiça começou o pagamento com R$ 1 mil por mês a cada magistrado – chegou a pagar até R$ 15 mil por mês nesse período, mas atualmente paga R$ 10 mil.
Até setembro de 2017, o TJAM já havia pago R$ 207,4 milhões e ainda devia R$ 159,7 milhões.
Mas naquele ano, o valor da dívida foi atualizado e passou R$ 410,7 milhões. Abatendo os R$ 207,4 milhões já pagos, ficou um débito de R$ 203,3 milhões.
Entre outubro de 2017 e novembro de 2019, TJAM pagou mais R$ 72,2 milhões aos magistrados, mas a dívida foi novamente corrigida e está R$ 338,5 milhões, quase o mesmo da valor de 2010, conforme o gráfico abaixo.
De acordo com a Calculadora do Cidadão, do Banco Central do Brasil, corrigido pelo IPCA-IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), o valor inicial de R$ 358,2 milhões, de outubro de 2010, seria de R$ 599,6 milhões em novembro 2019 somando-se aos R$ 58,4 milhões da URV, seriam R$ 658 milhões.
Amortização dos juros
Para o presidente da Amazon (Associação dos Magistrados do Amazonas), Luis Márcio Albuquerque, a atual situação orçamentária do TJAM não permite o pagamento da dívida à vista e, por isso, o pagamento parcelado acaba apenas amortizando os juros. “É inviável pagamento à vista. E esse pagamento parcelado, realmente, parece infindável porque paga, paga, paga e aumenta”, afirmou Albuquerque.
“A gente trabalha com o duodécimo (valor repassado pelo Executivo em 12 parcelas de um percentual da receita corrente líquida do Estado). O dinheiro dá para pagar a folha e todos os encargos que o Tribunal tem. Então, a PAE, realmente, está em segundo plano. Vão só amortizando a questão dos juros, é por isso que se torna difícil a liquidação da conta”, afirmou Luis Albuquerque.
Ainda de acordo com o presidente da Amazon, “só haveria possibilidade de quitar efetivamente (a dívida) se aumentasse a parcela de pagamento”, que, atualmente, é de R$ 10 mil por mês para cada magistrado. “O valor da parcela é relativamente baixo, por isso, que mal paga os juros”, disse o representante dos magistrados do Amazonas.
Parcela Autônoma de Equivalência
O TJAM paga para cada magistrado R$ 10 mil por mês, que aparecem no contracheque como indenização. A exceção é o desembargador Aristóteles Thury, que há quatro anos recebe o valor dobrado: R$ 20 mil/mês. Esse valor se soma ao salário (R$ 30.471,11 de desembargador e R$ 28.947,55 de juiz) sem desconto de Imposto de Renda, porque é considerado indenização.
Essa indenização carrega uma dose de ironia. Em 2000, uma resolução do STF (Supremo Tribunal Federal) incluiu pela PAE o valor do auxílio-moradia dos parlamentares na remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em cumprimento da decisão consubstanciada na Ação Ordinária nº 630-DF. A alegação foi de que a Câmara dos Deputados pagava o auxílio-moradia e, sobre o valor, descontava imposto de renda.
Portanto, no entendimento do STF, não se tratava de indenização, mas de remuneração, o que lhes dava direito de receber o valor para equiparar a remuneração entre os Poderes, previstos na Lei 8.448, de 21 de julho de 1992.
Os valores pagos pela Câmara dos Deputados era de R$ 3 mil mensais. Os deputados corrigiram o “erro” em 1997, mas ficou a dívida de 1994 a 1997. Esses R$ 3 mil se transformaram na bola de neve que o TJAM não consegue se livrar.
TCE e MP-AM
O TCE-AM (Tribunal de Contas do Estado do Amazonas) e o MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) também pagaram a PAE aos seus membros. No caso do TCE, receberam a indenização os conselheiros, procuradores de contas e auditores. No caso do MP-AM, o pagamento foi para procuradores e promotores de Justiça.
O TCE-AM pagou a dívida em parcelas de R$ 100 mil para cada membro do tribunal. Foram pelo menos quatro parcelas e mais um pagamento referente à correção da controversa URV.
No MP-AM a dívida também foi paga em parcelas robustas, mas a Procuradoria Geral de Justiça nunca informou os valores pagos. Há, ainda, no MP-AM um processo que cobra o pagamento de valores referentes à correção monetária da PAE.