Da Folhapress
BRASÍLIA – Em meio a um cenário de queda nos recursos do MEC (Ministério da Educação), o ministro Milton Ribeiro defendeu, diante de deputados, que o país não precisa de mais dinheiro para a área.
Ele participa, desde às 9h da manhã desta quarta-feira, 31, de audiência online na Comissão de Educação. Milton Ribeiro foi convidado a falar ao colegiado.
“Despejar dinheiro na ponta (nas escolas e secretarias de Educação) não é política pública”, disse o ministro, ao ser questionado sobre o veto do governo Jair Bolsonaro (sem partido) de projeto de lei que garantia conectividade para todas as escolas.
“Tivemos grande orçamento (em anos anteriores), os alunos estariam numa condição muito melhor (se houvesse efeito). Não é questão de dinheiro. (Se) somente dinheiro, gestão de recursos, aplicação de recurso (funcionassem), o ministro da Educação deveria ser um economista, não um educador”, declarou.
O investimento médio do Brasil por aluno não chega à metade da média de países desenvolvidos. Quase metade das redes de ensino tem orçamentos tão baixos que travam possibilidades de melhoria.
Questionado ao menos três vezes sobre ditadura militar e golpe de 1964, Ribeiro fugiu do tema. Parlamentares questionaram se o MEC vai induzir em seus programas, como livros didáticos, visões elogiosas sobre o período, como faz o atual governo. O dia 31 de março marca aniversário do golpe.
O MEC tem sido ausente no apoio às redes de ensino no enfrentamento dos reflexos da pandemia na educação básica, o que foi recorrentemente questionado por parlamentares.
A pasta não atuou, por exemplo, na garantia de conexão pra alunos pobres, na oferta de plataformas de ensino para redes mais carentes, não criou linha específica de financiamento. A única iniciativa efetiva foi o incremento de cerca de R$ 600 milhões no programa que envia dinheiro direto para as escolas, o que ocorreu apenas em outubro passado.
Ribeiro insistiu, em sua fala inicial, em uma narrativa de que o MEC cumpriu seu dever de apoiar técnica e financeiramente as redes de ensino estaduais e municipais –o que secretários questionam desde o ano passado.
Sob Bolsonaro, os investimentos da pasta, nos dois primeiros anos da atual gestão, foram os menores da década, como o jornal Folha de S.Paulo mostrou. O ministro afirmou que o ministério teve 98% de execução do orçamento previsto, o que é uma leitura parcial, umas vez que leva em conta valores empenhado (primeiro passo para execução, mas que não garante a efetividade do gasto).
O ministro defendeu o veto de Bolsonaro do projeto que ampliava a conexão de internet nas escolas. Ele criticou o texto ao dizer que ele não refletia o real diagnóstico da área e que era impossível atendê-lo do ponto de vista orçamentário. Parlamentares questionaram se o ministro teria lido de fato seu teor.
Nenhum centavo dos R$ 135 milhões previstos no orçamento de 2020 para conexão das escolas havia sido empenhado até agosto passado. A pasta acelerou a execução no fim do ano e pagou R$ 85,7 milhões (somente 63% do orçado).
Milton Ribeiro iniciou sua fala como se o governo Bolsonaro houvesse tido início com sua chegada ao MEC, em meados do ano passado. Ele já é o terceiro ministro da Educação do governo Bolsonaro, sem contar Carlos Alberto Decotelli, nomeado mas sem tomar posse.
“Quando cheguei, havia mais de 4 mil obras paradas em todo Brasil, obras inacabadas do MEC. E no ano passado, com esforço e conscientização de muitos parlamentares, conseguimos praticamente concluir quase mil obras que estavam paradas”, disse ele.
A declaração também não tem aderência com a realidade. O jornal Folha de S.Paulo mostrou em fevereiro, a partir de dados oficiais, que o MEC tem 8,9 mil obras abandonadas. Auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União), do fim do ano passado, apontou ausência do MEC para lidar com a situação.
“Não se verificam ações de supervisão do Ministério da Educação no que se refere aos problemas das obras inacabadas, canceladas e paralisadas da pasta”, disse a auditoria.
Ribeiro disse que o MEC ainda avalia a realização de ao menos uma avaliação amostral para mensurar o desempenho dos alunos neste ano. Como a reportagem revelou, a equipe do ministro não quer fazer o Saeb neste ano, como é previsto.
A ida de Ribeiro à Câmara ocorre na semana em que o presidente Bolsonaro promoveu mudanças no comando de seus ministérios. Ribeiro foi mantido apesar de pressão do centrão por sua saída –o ministro é visto como decorativo por integrantes do governo e do Congresso.
Sua chegada no cargo e manutenção no posto têm símbolo de aceno aos evangélicos que apoiam o governo. O ministro é pastor e não tem experiência anterior em políticas públicas.
“Não podemos falar que na sua gestão as esquipes técnicas têm qualquer prestígio. Não podemos dizer que na sua gestão o MEC se compromete a dar estabilidade”, disse o deputado Professor Israel (PV-DF).
O parlamentar questionou o fato de, diante de tantos desafios, a única prioridade no Congresso tenha sido a regulamentação do ensino domiciliar.
Tiago Mitraud (Novo-MG) disse que o governo ainda não consegue apresentar qual é o projeto para a educação pública do país.
Ribeiro compareceu à Câmara preocupado com o clima que encontraria na comissão. Na véspera, convocou um grupo de parlamentares de partidos alinhados com o governo para pedir apoio durante a audiência –nem nesse grupo recebeu apoio incondicional.
No encontro, os parlamentares foram críticos com a atuação do MEC, mas a reunião corre em clima morno. O ministro elogiou parlamentares, inclusive de esquerda.
Alguns deputados, por sua vez, louvaram o fato de Ribeiro não ser Abraham Weintraub, ex-ministro que se notabilizou pela beligerância e uma gestão também problemática à frente do MEC.
“Pacificação não é passividade”, ressaltou, no entanto, o deputado Danilo Cabral (PSB-PE). “Faltou da parte de vossa excelência, nesses oitos meses (no cargo), maior liderança”.
Ribeiro participa de forma remota do encontro. Assim, contou com apoio de sua assessoria para a maioria das respostas, em que leu explicações colocadas à sua mesa após as perguntas dos parlamentares.