Violência nos presídios
Os presídios, apesar das precariedades crônicas e frequentes crises, foram institucionalizados para operar em favor da sociedade. Ao invés disso, os cárceres têm se tornado cada vez mais referências de violência extrema e insegurança pública. Quais as razões disso? Que fatores produzem as ondas de violência extrema no sistema prisional?
Na realidade, a administração de cárceres nunca foi coisa simples muito menos fácil, sobretudo diante dos modelos de execução penal efetivamente vigentes no Brasil. Motins, rebeliões, fugas, graves ameaças e violências extremas têm registros com certa frequência. Antes, mais por razões carcerárias ou brigas entre grupos de internos. Atualmente, por motivos ligados ao controle do espaço social dos presídios pelas facções e organizações criminosas, que estenderam ao território do cárcere a disputa pelo comando da atividade delituosa.
Uma característica marcante das chacinas mais recentes nos presídios de Manaus/AM, seja em janeiro de 2017 seja agora em maio de 2019, excetuando a segurança dos internos, é que elas não tiveram pautas carcerárias ou questões propriamente de gestão prisional, por exemplo: qualidade da alimentação, falta de assistência médica ou jurídica, liberação de mais visitas de parentes ou de visitas íntimas, superlotação, limitação de banho de sol etc.
Essas matérias sequer foram apresentadas em ambos os casos. O fator predominante foi concretamente a disputa entre grupos de facções ou subfacções no interior dos cárceres, impactando sobremaneira a segurança nas unidades prisionais, como também fora dos presídios por meio da onda de execuções que se seguiram ao massacre nos cárceres, sobretudo nas periferias da cidade.
A violência, a criminalidade e a insegurança pública da sociedade repercutem dramaticamente nos presídios, e vice-versa, ao ponto de não ser possível visualizar-se qualquer solução no interior dos cárceres que não passe também pela promoção da segurança e da cidadania na sociedade, sobretudo nas áreas mais afetadas pela economia do crime e suas organizações, as quais são muito rápidas em recrutar desde muito cedo adolescentes e jovens para a atividade criminosa.
A completa falta de perspectivas torna os adolescentes e jovens “presas” fáceis da economia do ilícito. Não por acaso o perfil do interno no sistema prisional brasileiro é predominantemente jovem, pobre e de baixa escolaridade.
É essencial que, em paralelo à aplicação de tecnologias mais eficazes de monitoramento no interior dos cárceres e devidas atividades de ressocialização, a sociedade e o Estado consigam alcançar a criança, o adolescente e o jovem antes que estes ingressem na economia do crime ou venham a participar das atividades ilícitas da organização ou facção criminosa.
É necessário que o público mais exposto e vulnerável às organizações da economia do crime seja priorizado e devidamente assistido, acompanhado e, quando necessário, até tutelado por meio de ações pedagógicas, assistenciais, programas sociais e políticas públicas comprometidas com a criança, o adolescente e adulto jovem. Ao lado disso, é preciso manter o permanente controle e enfrentamento da violência e da criminalidade pelas polícias e todo o sistema de justiça criminal.
As perspectivas de solução aos extremos de violência e criminalidade no interior dos cárceres passam necessariamente por medidas e providências sistêmicas que devem ser adotadas também no exterior dos mesmos, prioritariamente com respeito à promoção da segurança pública e da cidadania para com toda a sociedade.
Dessa forma, é imprescindível rever o sistema penitenciário como um todo, transformando-o do modo mais oneroso de piorar os indivíduos e levar insegurança à vida social em algo que funcione em prol da coletividade. Não pode o mesmo continuar sendo apenas uma maneira de obter alta lucratividade com a prisão de pessoas. Do contrário, importa conceber outros meios de execução penal e desativar esse sistema que opera apenas como depósito de gente a ser descartada, perpetuando assim a barbárie da cultura da violência e do crime no Brasil.
Por fim, cumpre relembrar a inadmissível situação de presos custodiados em delegacias no interior do Estado do Amazonas, o que constitui iminente “barril de pólvora” e um empecilho para que os policiais civis possam cumprir seu dever legal no atendimento às demandas da população desses municípios relativas ao controle e combate à insegurança pública.
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Um retrato bem apanhado da realidade social e carcerária. Como prognóstico complementar às bem colocadas assistências sociais às camadas populares mais sujeitas ao crime também seria prudente rever atuações mais eficazes e urgentes, como a adoção de uma gestão de captura de criminosos foragidos por crimes violentos e a implantação de delegacias especializadas em crimes financeiros para que os bens que financiam a atividade criminosa encontre barreiras e assim dar espaço para as demais políticas ressocializantes.