Na raiz da insegurança pública, em geral, há algum tipo de obscurantismo a partir do qual se deflagram processos de violência, corrupção, vícios e delinquência. Embora prevaleça o obscurantismo político, contata-se que o obscurantismo cultural, sociológico, econômico, religioso e, mais recentemente, o obscurantismo informacional-digital, exercem poderosa influência nas sociedades contemporâneas.
O obscurantismo pode estar baseado tanto na restrição ou falta de informação quanto no excesso da mesma. Uma avalanche de informação, a exemplo dos soterramentos informacionais que ocorrem nas vias do ciberespaço e nas redes sociais, pode servir muito mais ao obscurantismo e constituir obstáculo ao lúcido entendimento. Esse processo é corriqueiro nos atuais tempos de pós-verdade.
O exagero de informação mais prejudica do que beneficia o discernimento, pois o confunde e desorienta com inúmeros dados falseados, narrativas manipuladas, relatos “chocantes” inventados sem nenhuma responsabilidade, notícias “escandalosas” sem fundamento nem comprovação, fake news e outras tantas desinformações. Tenta-se “formar a opinião” de modo apelativo, polarizado e irresponsável. Incutem-se como legítimas certas irracionalidades, preconceitos e extremismos. Manipulam-se os ódios, partidarizações e reações que produzem ainda mais desatinos, violências físicas e simbólicas. Por vezes, certas táticas de obscurantismo informacional são empregadas para fazer bullying, praticar fraudes, auxiliar na prática de corrupção, instigar suicidas, promover a calúnia, a difamação, a pedofilia, o tráfico ilícito e outros delitos a partir dos meios virtuais.
Nesse sentido, constata-se que a quantidade de informação disponível não é garantia de esclarecimento nem mesmo de lucidez. Ao contrário, os tsunamis de informação e fake news estão levando sociedades inteiras a um novo padrão de obscurantismo. Um tipo de obscurantismo que se serve dos meios tecnológicos, virtuais e das redes sociais para operar contra o discernimento lúcido, a democracia e a liberdade com justiça. Uma Era entrevada por um obscurantismo político e informacional que não se importa com a restrição a direitos fundamentais, com a violação da qualidade do meio ambiente e dos bens ambientais que restam, com as perspectivas da sociedade humana.
Não se pretende com isso justificar ou respaldar qualquer prática de censura ou patrulhamento simbólico ou ideológico, seja qual for. Mas de chamar atenção para retrógradas tendências obscurantistas, com efetivos riscos de se consolidarem, capazes de lançarem sociedades inteiras, como a brasileira, num sombrio estado de sub-humanização. Um estado de radicalização da insegurança pública, da violência, da criminalidade, de extremas espoliações sociopolíticas, guiadas por um modelo de Estado centralizador e regimes de governo obscurantistas.
Há evidentes presságios desse cenário obscurantista quando se vê a maneira rústica como são tratadas as questões fundamentais à sociedade nacional, tais como: as ambientais, sobretudo relacionadas a práticas irracionais e ilícitas de exploração de recursos da floresta amazônica; as institucionais, a exemplo do recém-aprovado projeto de lei acerca do “combate ao abuso de autoridade”, que tenta acuar agentes e instituições que atuam contra a corrupção e a impunidade; as políticas, quando o chefe do executivo federal age como um monarca absolutista, desprezando conquistas política e cívicas relevantes, ao tentar impor o recuo da administração pública à cultura do nepotismo, vertente derivada do enraizado vício do patrimonialismo – patronato político brasileiro.
Ainda com respeito à região amazônica, a maior parte da Amazônia é, com efeito, brasileira. Mas não é por isso que tem de tratar os demais países e nações como se a Amazônia só importasse ao Brasil. Deve-se recordar que a Amazônia é subcontinente da América do Sul, que abrange vários países, e que influencia as condições ambientais de todo o planeta. Ela não é relevante apenas para os países amazônicos, mas para todo o mundo, pois interage ecológica e ambientalmente com os demais continentes.
A maior parte da Amazônia está sob a soberania brasileira, mas é uma região crucial também para os demais países e cumpre um relevante papel na condição ambiental de toda a terra. Milhões de anos antes de ser colonizada, a região amazônica já cumpria uma relevante função ecológica para com a bioesfera planetária. O Brasil não deve agir como se a Amazônia não fosse importante para o mundo, inclusive deve evitar certas intervenções prejudicais à própria região amazônica e ao meio ambiente planetário. Será que o país ainda não percebeu a significativa função ecológica da Amazônia para com toda a terra? Apesar de tantos interesses, será que apenas o governo brasileiro não concebeu a responsabilidade ambiental da região amazônica para com os brasileiros e para com a humanidade?
Além disso, o Brasil interage e também depende dos demais países, pois importa muitos produtos e artigos essenciais para sua atividade econômica, comercial, industrial, de pesquisa científica e de serviços. O país não é uma bolha, apartada do planeta, que está imune a tudo o que acontece na terra. Pelo contrário, sofre diretamente os impactos do que acontece no meio ambiente global. Por isso, essa postura do atual governo em relação às demais nações é algo insustentável e vergonhoso diplomaticamente de ostentar. Faz o país recuar a primitivos tempos. Enfim, todos os governos brasileiros anteriores, desde a reabertura política, mantiveram relações respeitáveis e de cooperação com os governos das demais nações quando o assunto foi Amazônia e o meio ambiente, sendo apenas o atual que insiste no deplorável desastre com que conduz as relações externas em relação à região amazônica.
As aberrações não se limitam a isso quando o assunto é a Amazônia. Alcançam também o monitoramento de dados referentes à região. O INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que tem o melhor sistema de monitoramento do mundo, inclusive tendo inspirado a criação de sistemas similares noutros países, teve seus dados questionados por quem sequer entende do que está falando. É algo surreal! Pior: o governo federal estuda contratar sistema privado muito inferior de monitoramento para fazer o que o Inpe fazia melhor que todos e sem cobrar nada. É algo ridículo, oneroso e escandaloso. O governo federal, comprometido sabe-se lá com quais interesses, pretende gastar dinheiro público com serviço que já dispõe com excelência quando deveria estar evitando esse tipo de gasto. Mas nem assim, pagando, consegue camuflar os danos cometidos ao meio ambiente amazônico. É insultuoso o obscurantismo político em relação à Amazônia, inclusive afetando a Zona Franca de Manaus, pois a disposição do atual governo federal em relação ao modelo não é nada animador.
O obscurantismo é, não raro, fomentador da insegurança, dos extremismos e de sub-humanos processos logospiratas. Quando toma dimensão sistêmica, o obscurantismo gera sociedades subdesenvolvidas, entrevadas culturalmente, exclusoras politicamente, de grande dependência econômica de países-metrópoles; sociedades marcadas por extremas injustiças e desigualdades sociais, pela corrupção institucional, sendo profundamente impactadas pela criminalidade e pelo encarceramento em massa. A única abordagem de controle social no trato dos desviantes oriundos da realidade de vulnerabilidade social é a repressiva-carcerária ou via direita da criminosa assepsia social. Aos cleptocratas, todavia, aplica-se a lentidão processual, abusam-se dos recursos e dos artifícios legais, descobrem-se “brechas na lei” e “interpretações mais favoráveis” até que, ao final, concede-se o prêmio da impunidade. É o viciado ciclo do obscurantismo cúmplice da insegurança pública.
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