Atualmente, vivemos uma conjuntura marcada por tragédias sociais, ambientais, econômicas e culturais. A maioria delas é produzida pela ação humana, portanto, é previsível e evitável. O colapso ambiental é produzido pelas nossas ações, que são orientadas por uma visão mesquinha da realidade e materializadas em um modelo predatório de produção.
Tragédias sociais como a fome, as epidemias, as pandemias, também resultam da adoção do modelo capitalista, que estimula o individualismo e nos impulsiona a uma relação agressiva com os nossos semelhantes e com a natureza.
Modelo econômico insustentável, uma vez que sobrevive de crises e à base do desemprego, das altas taxas de juros e da extorsão dos mais pobres. Tragédias como o racismo, o machismo, a intolerância religiosa, a violência não passam despercebidas. Todas elas resultam de nossas ações, que poderiam ser outras, bem diferentes. É importante destacar que são frutos de nossas opções, a fim de evitarmos qualquer determinismo biológico e natural ou atribuirmos tais comportamentos a algum fenômeno transcendente.
As mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari, também não são pontos fora da curva, mas obedecem à lógicas previamente determinadas. A Amazônia vem sofrendo, de forma especial nestes últimos anos, intensas agressões. O atual governo brasileiro abandonou o projeto de preservação da floresta e tem estimulado o garimpo ilegal, a invasão de terras indígenas e a ação de madeireiros e pistoleiros. As intervenções legislativas, as configurações ministeriais, os cortes de orçamentos, o desmonte dos órgãos fiscalizadores e o aparelhamento das instituições indicam claramente os objetivos ambicionados.
Diante desta política antiambiental, qualquer indivíduo ou organização que defenda a floresta em pé ou se posicione a favor dos povos indígenas é adversário do governo, merecendo ser “isolado”. Foi o que aconteceu. Bruno e Dom se juntaram às inúmeras outras lideranças assassinadas por defenderem a Amazônia e seus povos. Sem uma radical mudança na política do governo, essas atrocidades continuarão ocorrendo. Já não havia dúvidas sobre essa realidade no território nacional, mas agora o mundo inteiro está convencido de que o obscurantismo brasileiro precisa ceder lugar ao bom senso e a um mínimo de razoabilidade.
Mas um cenário positivo de democracia, respeito e diálogo também será resultado de iniciativas que gerem novas tendências. A vida da irmã Helena Augusta (1934 – 2022) é um desses acontecimentos que geram tendências positivas e inspiram o nascimento de sociedades fraternas, justas e sustentáveis.
Trata-se de uma existência baseada em opções e lógicas diferenciadas, sendo marcadas pela fé, pela esperança e pelo altruísmo. Vida de superação e pautada pelo serviço aos mais pobres e com os mais pobres.
Assim como a vida da irmã Helena, as vidas da irmã Dorothy, de Dora Priante, de Chico Mendes, de Bruno, de Dom e de muitos outros e outras são festejadas como símbolos de amor à Amazônia. Suor e sangue derramados no solo amazônico em benefício dos seus povos, das suas florestas, das suas águas e da sua sociobiodiversidade.
Que a memória destas vidas reforce a luta pela justiça e pelo cuidado da nossa casa comum, a despeito de todo obscurantismo instalado.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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