Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Em relatório da Operação Eminência Parda ao qual o ATUAL teve acesso, a Polícia Federal afirma que contrato do INC (Instituto Novos Caminhos) com o Governo do Amazonas rendeu R$ 25 milhões em propina. No documento, a PF diz que o dinheiro foi repassado pelo médico Mouhamad Moustafá ao empresário José Lopes (Zé Lopes) para ser entregue ao ex-governador José Melo. O acerto foi revelado, segundo a PF, por Priscila Coutinho, que é delatora na Operação Maus Caminhos. Ela disse, conforme consta no relatório, que os pagamentos foram feitos entre maio de 2014 e setembro de 2016 em 25 parcelas de R$ 1 milhão.
Em 108 páginas, o relatório da sexta fase da ‘Maus Caminhos’ descreve a participação de Zé Lopes, Gustavo Macário Bento e Edite Hosoda no esquema que, segundo a PF e o MPF (Ministério Público Federal), era liderado por Mouhamad. Os desvios somaram R$ 104 milhões na Saúde do Amazonas. A PF diz no relatório que identificou indícios de encontro entre Mouhamad, Zé Lopes, Melo e Egberto Baptista, que era marqueteiro do ex-governador.
A Operação Eminência Parda foi deflagrada no dia 30 de julho, mas não alcançou o ex-governador porque o escopo da investigação, segundo a PF, “alcança o crime de lavagem, uma vez que a entrega era feita a José Lopes pelo fato de ter aptidão e capacidade de executar a tarefa de lavar o dinheiro desviado do INC”. O ex-governador cumpre prisão domiciliar desde abril de 2018. Mouhamad está preso.
De acordo com a delatora, os repasses de propina milionária para “uso pessoal” do ex-governador foram acertados entre Mouhamad e Zé Lopes após a habilitação do INC como organização social para prestar serviços de saúde na UPA Campos Salles, em Manaus, e UPA de Tabatinga, em março de 2014. Conforme o MPF, no mesmo ano em que foi habilitado o INC recebeu R$ 71,6 milhões do FES (Fundo Estadual de Saúde).
“(José Lopes) teve uma reunião com o Mouhamad onde ficou definido que seria retirado 30% do valor do contrato para pagamentos, sendo que R$ 1,040 milhão seria direcionado para o ex-governador José Melo, para uso pessoal dele”, diz a delatora em trecho do relatório. De acordo com a PF, Priscila Coutinho “era a pessoa que ficava encarregada de movimentar, sacar, separar e embalar valores a serem entregues”.
Dívida de campanha
Priscila Coutinho afirmou que, inicialmente, a propina era paga a Zé Lopes como forma de quitar dívida de campanha nas eleições de 2014, pois naquele ano o pecuarista foi quem bancou a campanha que resultou na reeleição do ex-governador. A delatora diz que os pagamentos , posteriormente, chegaram a ser feitos diretamente a Melo.
Segundo a delatora, o valor pago era a maior parte dos R$ 2 milhões desviados para pagamento de propina. A delatora diz que R$ 83,5 mil eram divididos entre o advogado Lino Chíxaro, José Duarte, Wilson Alecrim e outros. Segundo Priscila, Alecrim passou a receber R$ 133,5 mil, um acréscimo de R$ 50 mil, devido ao novo contrato de Mouhamad com o CRDQ (Centro de Reabilitação em Dependência Química”.
De acordo com Coutinho, quando os repasses do Estado ao INC atrasavam por longo período, Mouhamad recorria a José Lopes “para que intervisse junto ao ex-governador José Melo e seu irmão Evandro Melo (ex-secratário de Administração) para que agilizassem os pagamentos em atrasos, uma vez que haveria interesses comuns entre eles nessa liberação do pagamento”.
No último dia 7 de agosto, em depoimento à juíza Ana Paula Serizawa, José Melo disse que “nunca viu a cor desse dinheiro” e que Zé Lopes era um “amigo de muito tempo”. “Eu nunca vi a cor desse dinheiro, sob qualquer forma, seja para campanha política ou qualquer tipo de coisa. Eu desconheço completamente isso. O Sr. Zé Lopes é velho um amigo de muito tempo”, afirmou.
“Não tenho com o senhor José Lopes nenhum outro tipo de relacionamento que não seja de amizade. Ele não destacou para a minha campanha um centavo. Está lá na prestação de contas. Ele me ajudou muito na minha eleição na região do Purus, sobretudo em Boca do Acre, onde ele é muito conhecido, e só”, afirmou Melo.
Cautela
O empresário Zé Lopes era cauteloso em relação a entrega da propina e só se encontrava com Mouhamad no Condomínio Efigênio Salles, onde ambos moravam, segundo a delatora. Coutinho narrou ocasião em que o médico pediu para que ela o acompanhasse até a casa de Zé Lopes para realizar uma das entregas de valores, pois ela o substituiria na entrega de propina quando fosse necessário.
Entretanto, Priscila afirma que ficou apenas dentro do carro, pois Zé Lopes entendeu que não era necessário que ela substituísse o médico. Além disso, o pecuarista preferiu que, caso Mouhamad estivesse viajando, aguardaria o seu retorno para que o próprio médico fizesse as entregas.
Apesar de a delatora indicar que houve 25 entregas de R$ 1 milhão, as investigações da Polícia Federal apontam 13 ocasiões com indícios de que Zé Lopes recebeu dinheiro de Mouhamad Moustafá. “Não obstante a investigação ter recuperado 13 eventos de entregas de dinheiro a José Lopes e estimado, com base na periodicidade e detalhes observados, que as entregas totalizavam em torno de vinte eventos de R$1.040.000,00, a investigada aponta que esse número atingiu 25 entregas”, diz trecho do relatório da PF.
Os encontros eram sempre agendados com “história cobertura”, em que ambos usavam nomes de medicamentos para identificar dinheiro com objetivo de ocultar a entrega da propina. Segundo Priscila Coutinho, o médico costumava levar os valores de manhã cedo. Uma das mensagens recuperadas pela PF entre Mouhamad e Zé Lopes traz o seguinte teor: “Bom dia, meu amigo. Posso levar o seu Naprix agora?”.
Para a Polícia Federal, o medicamento é de uso corriqueiro, “sem qualquer necessidade de um médico para ministrar ou comprar e levar ao paciente”.
A Polícia Federal afirma que o depoimento de Coutinho “é coerente com os demais elementos colhidos pela investigação”. “É possível verificar que o que é dito pela colaboradora pode ser empregado na investigação, por ser verdadeiro e que os elementos por ela trazidos corroboram as demais provas obtidas durante a investigação. Além disso, a investigada vai mais longe e aponta que o dinheiro entregue tinha um destinatário certo, o ex-governador José Melo”, afirma a PF.
Investigados
As investigações da Polícia Federal apontam indícios de que Zé Lopes era o verdadeiro dono da empresa GH Macário Bento, que está registrada no nome de Gustavo Macário Bento, e que era usada para lavagem de dinheiro. “São consistentes os indícios de as empresas fazem parte grupo empresarial que é comandado por José Lopes, e utilizaria para a lavagem de dinheiro, em razão da grande quantidade de dinheiro movimentado em espécie, no qual está inserida a GH Macario Bento”, afirmou.
Sobre Edite Hosoda, a Polícia Federal diz que ela era operadora financeira de José Lopes. “Através da análise das mensagens, resta claro que Edite era pessoa de confiança de José Lopes, haja vista ela ser a pessoa encarregada de realizar pagamentos e controlar a quantidade de dinheiro em espécie que ele teria disponível”, diz trecho do relatório.