Há estudos que apontam a existência de certa relação proporcional entre criminalidade e impunidade. Indicam que quanto maior a impunidade tende a haver maior violência e criminalidade. Confirmam o ditado que diz: “a violência anda de mãos dadas com a impunidade.”
De outro lado, pode-se entender também que quanto maior a criminalidade tende a ampliar também a impunidade, sobretudo em virtude da incapacidade estatal de processar e exercer no caso concreto, de modo célere e quase onisciente, o direito-dever de punir do Estado, visando atender a sociedade que demanda em massa a devida punição de infratores pelo sistema de justiça criminal.
Embora o direito de punir seja monopólio estatal, o Estado não tem dado conta da demanda e, lamentavelmente, verificam-se pessoas tentarem fazer “justiça com as próprias mãos”, incorrendo em abusos e, certas vezes, em barbárie. A descrença na garantia de punição, a certeza de impunidade, tem levado muitos a cometer atos bárbaros de vingança, exercício arbitrário das próprias razões, e a práticas hediondas de justiciamento, além de ser incentivo à prática de delitos. Com efeito, muitos já esclareceram que a impunidade é o maior incentivo à violência e à criminalidade: “O maior estímulo para cometer faltas é a esperança da impunidade.” – Cícero; “Um dos maiores travões aos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade (…) A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade.” – Cesare Beccaria; “O esquecimento é o adubo que nutre a impunidade” – Wesley Hayas; “O sistema de impunidade é também promotor de crimes.” – Marquês de Maricá.
Responsabilizar e punir o infrator ou o delinquente é fundamental para combater a violência e reprimir a criminalidade, impedindo que a mesma fuja ao controle. Contudo, a forma mais eficaz de enfrentar a impunidade é trabalhar para evitar que o crime aconteça, isto é, prevenir a prática de delitos. Trata-se de efetivamente atuar para promoção da segurança pública.
Atuar apenas na responsabilização e penalização não é suficiente para conter a criminalidade. É preciso punir o infrator, mas é necessário também buscar políticas públicas e programas psicosociais que procurem evitar a ocorrência de delitos, impedir a adesão a atividades ilícitas e o recrutamento, principalmente de adolescentes e de jovens, pela economia do crime, em especial do tráfico de drogas. Embora parcela da população confira certo glamour à prisão e a mídia explore matérias policiais, convertendo em espetáculo operações que resultem em perseguições, apreensões e prisões, a repressão por si só não é capaz de sinalizar na direção de uma sociedade justa e segura. Pelo contrário, mesmo quando a abordagem repressiva remedia a violência e a insegurança, geralmente está evidenciando sintomas de uma sociedade mais violenta e repressora, não de uma ordem social segura e livre.
A massiva cobertura midiática da atuação repressiva das polícias cria apenas a falsa sensação de segurança e de justiça. Nada além da ilusão de performances pirotécnicas e de promessas vazias a partir do indevido uso midiático de ações e operações policiais. Um grande faz de conta, cujo efeito concreto na área de segurança pública é somente paliativo e de marketing promocional. Consequentemente, a realidade prossegue sob a pressão da violência e da criminalidade, comum e organizada, sem que medidas governamentais e institucionais eficazes intervenham efetivamente para lidar com os fatores que desencadeiam ondas de assaltos, atentados a bens públicos e privados, tráfico de drogas, de pessoas e de armas, estupros, maus-tratos, sequestros, latrocínios, homicídios, graves ameaças, dentre outros eventos delituosos.
A punição dos criminosos pode contribuir para reduzir a criminalidade, mas enfrentar os fatores que levam os indivíduos e grupos ao crime e à prática delituosa colabora de modo muito mais eficaz para evitar a expansão de uma cultura de violência e impunidade.
A responsabilidade penal deve ser imposta a todos que praticarem delitos, não apenas à criminalidade daqueles grupos em situação de maior vulnerabilidade social, especialmente ligados a crimes patrimoniais e similares (furto, roubo, estelionato, apropriação indébita, extorsão…), mas punir também os desvios de recursos públicos, o uso e aparelhamento de bens e de repartições estatais para finalidades diversas das públicas, as fraudes a licitações, a corrupção institucionalizada, os crimes de colarinho branco, a articulação de agentes públicos e privados com atividades ilícitas e organizações criminosas, a criminalidade dos poderosos, dentre outras práticas criminosas e abusivas de gente abastada, influente e/ou empoderada.
A origem da criminalidade não está na polícia nem no judiciário, tendo a mesma raiz num conjunto de fatores biopsicosociais, em especial na forma de organização e funcionamento da sociedade. Contudo, a atuação eficaz da polícia e do judiciário pode contribuir muito para inibir a violência, desestimular o crime e combater a impunidade. Para tanto, é preciso enfrentar o problema do déficit de pessoal e tecnológico dessas instituições, além de desligar servidores do sistema de justiça que tenham envolvimento com o crime (policiais, juízes, promotores, defensores, serventuários etc). Um sistema de justiça criminal integrado é essencial no combate à criminalidade e à impunidade.
Punir da maneira adequada e com vistas a reeducar ou ressocializar aquele que é sujeitado à penalidade, tanto de restrição de liberdade quanto de direitos, é também fundamental para obter resultados favoráveis no campo da redução da criminalidade e da impunidade. Lamentavelmente, os presídios brasileiros não oportunizam a adequada punição e ressocialização aos presos. São exemplos de como não se deve punir, pois funcionam de modo a potencializar o grau de periculosidade do encarcerado. Não basta punir de qualquer jeito, é preciso combater a impunidade da maneira certa.
O combate à impunidade deve começar desde a mais remota convivência humana, de maneira proporcional à fase de desenvolvimento humano, a fim de que se permita aprender com clareza a relação entre uma conduta e suas consequências, com vistas a desenvolver o discernimento, o senso de cooperação e responsabilidade individual e social. Nesse sentido, pais devem se preparar para educar, disciplinar, pôr limites e punir de forma humanizada e adequada seus filhos e aqueles que estão sob sua responsabilidade quando cometerem faltas éticas ou praticarem condutas que tendem à violência, ao preconceito, a abusos e a erros diversos. As escolas e outras instituições devem procurar atuar da mesma forma. Passar a mão, ignorar o mal feito, fazer vistas grossas às falhas, ignorar a conduta antiética e omitir-se de educar, orientar, disciplinar e punir pode ser venal à própria pessoa que pratica atitudes antiéticas ou danosas, além de ser nocivo a todos os membros da sociedade. A impunidade deve ser combatida desde cedo, a começar da própria família, sobretudo pela via do diálogo, da orientação, do exemplo, do entendimento e da educação para cidadania e segurança pública.
Dessa forma, em que pese toda uma avalanche de informação de má qualidade e de processos de exposição a inúmeros tipos de viciamento químico e psicológico, pode-se abrir espaço para promover melhores práticas e ampliar as perspectivas da sociedade brasileira para lidar de modo adequado e eficaz com as questões de violência, criminalidade e impunidade no país.
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