Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – A enfermeira Mayra Pires Lima, de 38 anos, perdeu a irmã há apenas nove meses. Marisa Pires Lima tinha 36 anos e morreu em janeiro deste ano em Manaus, vítima da Covid-19. O período do luto foi ocupado pela necessidade de adaptação à nova rotina.
Do dia para a noite Mayra, mãe de um menino de 12 anos, se tornou a responsável pelos quatro sobrinhos órfãos. Tudo mudou, inclusive os gastos. Somente com leite e fraldas são quase R$ 1 mil por mês. O aumento da despesa foi incluída no salário. Doações ajudam na alimentação dos novos integrantes da família.
Ao ATUAL, Mayra conta que o salário era suficiente para ela e o filho. Para ter mais tempo para cuidar das crianças, precisou reduzir a carga horária de trabalho.
“Eu tive que mudar a minha rotina completamente, tive que renunciar alguns trabalhos que eu desenvolvia para aumentar a minha renda. Hoje eu estou somente trabalhando no contrato que eu tenho pela Secretaria Municipal de Saúde que a carga horária é bem reduzida, num processo seletivo que eu passei. No trabalho do Estado eu tive uma licença-guarda pela adoção dos bebês. Eu tive direito a tirar seis meses”, diz.
São duas meninas e um casal de gêmeos. “A mais velha tem 15 anos, a do meio 9 anos e os gêmeos fizeram 1 ano no dia 8 de outubro”, conta.
No último dia 18 de outubro, Mayra Lima foi recebida na CPI da Covid com outros familiares de vítimas da doença. Ela relatou as dificuldades para manter a nova família. “Como eu falei na CPI na Câmara dos Deputados em Brasília, apesar de eu ter um emprego fixo, infelizmente, nós servidores públicos do Estado do Amazonas, profissionais de enfermagem, não temos a valorização salarial que deveríamos ter”, relata.
O complemento vem da ajuda de doações de amigos, de religiosos da paróquia que Mayra frequenta e de pessoas que conhecem a história das crianças através das redes sociais. “A gente recebe doação de leite, fraldas. Eles estão crescendo, já estão comendo outros tipos de alimentação, então os gastos são bem grandes. Em média, só com leite e fraldas a gente gasta mais de R$ 1 mil mais ou menos”, explica.
De acordo com Mayra, os bebês usam dez latas de leite e cerca de 200 fraldas por mês, sem contar os medicamentos e as idas ao pediatra. “Eles fazem acompanhamento de alto risco por serem bebês prematuros. Além disso, um dos gêmeos tem problema de saúde, uma má formação nas costas e que vai passar por uma cirurgia provavelmente ainda neste ano”, conta.
A enfermeira diz que se sente melhor quando recebe doações voluntárias. “Muitas vezes eu não me sinto à vontade de pedir ajuda financeira, sendo que a responsabilidade é minha, meus filhos. Então, eu prefiro receber doações voluntárias mesmo”.
Entre as ajudas estão doações do projeto “Eu Amo Meu Próximo”, do Ipeds (Instituto de Pesquisa e Ensino para o Desenvolvimento Sustentável). Pela iniciativa, Mayra consegue fraldas, leite e kits de higiene. Ela entende que há órfãos em situações mais difíceis.
“Foi assim uma ajuda essencial e eu louvo a Deus por eles terem ajudado. Mas a ONG ela vive de doações. E muitas crianças que estão em situação bem pior, muitos pais, tios que adotaram os bebês que ficaram órfãos sei que passam por dificuldades. Então assim, eu prefiro muitas vezes deixar as doações para pessoas que precisam mais. E quando tiver disponibilidade de doar para os bebês, eu aceito”, disse.
Mayra conta que tem ajuda de muitas pessoas, mas em alguns momentos a situação fica mais difícil. “Até porque eu tenho outras responsabilidades que não é somente com as crianças, mas responsabilidade com a casa onde eu moro. Hoje em dia conta de luz, conta de água está tudo bastante caro”, afirma.
Cuidados compartilhados
Na rotina de cuidados toda a família participa. “Então a irmã deles ajuda a cuidar, minhas tias, primas, muita gente. Até amigos meus que às vezes vão na minha casa para ajudar a cuidar deles. Meu namorado também ajuda muito”, conta Mayra.
Apesar da mudança significativa na rotina, a enfermeira, que é católica, relata que a única coisa que manteve foram as idas à igreja. “Eu sempre gostei e sou muito assídua na minha igreja e procurei ensinar esses valores cristãos a eles. Sou uma mãe cristã, conservadora e procuro ensinar aos meus filhos o respeito a Deus e à família, aos costumes que realmente pregam a nossa religião”, diz.
Apoio psicológico
Quando Marisa Pires Lima morreu, Mayra conta que quem precisou contar aos filhos foi a família. “Para as irmãs mais velhas foi mais difícil, quem contou para elas foi a minha família, porque eu estava no hospital tentando retirar o corpo da minha irmã”, relata.
“Como era de se esperar, ela (mais velha de 15 anos) ficou bastante abalada, até hoje ela sente falta da mãe, como é explicável. Mas a do meio (de 9 anos) precisou de mais apoio psicológico para tentar superar a perda da mãe”, diz.
Mayra afirma que em alguns momentos elas não conseguem expressar o que sentem. “Principalmente a mais velha. Mas a do meio ela sempre fala da mãe dela. Foi uma perda muito grande. Até porque elas não têm a presença do pai”, explica.
De acordo com a enfermeira, o pai da adolescente de 15 anos não tem contato com a filha, o pai da menina de nove anos faleceu em 2019 e o pai dos gêmeos não quis ter contato com as crianças.
Mayra relata que a família busca suprir a lacuna deixada pela ausência da mãe. “Claro que nenhuma pessoa irá substituir a minha irmã na vida deles, mas tentar realmente fazer com que elas sigam em frente e guardem na memória a imagem da mãe delas, uma pessoa que sempre foi feliz, alegre, que sempre lutou para dar tudo de bom e de melhor para elas e é isso que a gente pode fazer, amá-las de todas as maneiras que a gente puder”.
Marisa Pires Lima foi internada no dia 16 de janeiro e ficou até o dia 19 do mesmo mês em um poltrona no corredor do hospital. O oxigênio usado pela paciente foi custeado pela família e amigos.
“Depois quando abriu vaga ela foi para a enfermaria e ficou até o dia 22, durante todo esse período com oxigênio que a família se juntou para comprar. Porque no hospital eles não disponibilizavam mais pela alta demanda e não tinha mais a quantidade necessária. Então, por precaução, a gente achou melhor comprar”, relembra.
Mayra diz que a família e amigos chegaram a fazer uma campanha de arrecadação de fundos para ajudar no cuidado da irmã, medicação, pagamento de fisioterapeuta e tudo mais que ela precisasse.
Marisa Lima faleceu no dia 10 de fevereiro.
Eu amo meu próximo
Glauce Galúcio é diretora do Ipeds e idealizadora do projeto “Eu Amo Meu Próximo”. Ela explica que o Ipeds busca promover a educação e assistência social para a defesa e proteção de crianças e adolescentes no Amazonas. Com base nisso, criou a campanha para ajudar esse público em situação de vulnerabilidade social na pandemia.
“Essa atividade emergencial está sendo realizada por meio de arrecadações e doações de alimentos, juntamente como o trabalho dos nossos alunos voluntários nas ações de socorro e entrega das cestas básicas às famílias dos respectivos órfãos”, afirma Galúcio.
O projeto começou em fevereiro deste ano, ajudando quatro crianças que estavam morando com familiares, mas que não tinham condições suficientes para mantê-las. Agora já são 184 órfãos, com faixa etária desde recém-nascidos até crianças em idade escolar e adolescentes.
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“Hoje as nossas demandas são enormes porque essa estatística é cada vez mais crescente. Então diante desse triste fato nós queremos pedir o apoio das pessoas que se sensibilizarem a essa causa para nos ajudar com doações”, diz.
O atendimento às famílias dos órfãos e doações ocorrem na sede do Ipeds, na Avenida Djalma Batista, nº 4836, Flores. Valores em dinheiro também podem transferidos via PIX (dados bancários no final da matéria).
Poder público
O ATUAL procurou a Sejusc (Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania), Seas (Secretaria Estadual de Assistência Social) e Semasc (Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania) e perguntou se algumas das pastas tem ação voltada para ajudar familiares que precisaram assumir a guarda de crianças que ficaram órfãs na pandemia ou com fins similares.
A Sejusc e a Seas informaram que não contam com iniciativas voltadas para órfãos da Covid-19. A Semasc informou que não atua nesses casos e que a demanda é atendida por OSCs (Organizações da Sociedade Civil), inscritas pelo CMAS (Conselho Municipal de Assistência Social).
De acordo com o CMAS, das 119 OSCs que ofertam serviço de acolhimento institucional em Manaus, 28 atendem crianças e adolescentes.
O ATUAL também consultou a DPE (Defensoria Pública do Amazonas), MPAM (Ministério Público do Amazonas) e TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) para saber se integram alguma iniciativa voltada para esse público.
A DPE e o TJAM não fazem parte de projetos nesse sentido. O MP informou que não participa de nenhuma iniciativa do tipo, mas que fez mobilização interna para doações a crianças vítimas do novo coronavírus. O órgão ministerial não especificou em que consistiu.
Outra iniciativa
Debora Nandja, chefe do escritório do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em Manaus, afirma que o Unicef atua junto a parceiros para ajudar na aquisição de doações que possam apoiar o trabalho executado pelo Ipeds.
“Como, por exemplo, a Cáritas, parceira do Unicef, disponibilizou 100 kits de higiene; ocorreu ainda a entrega de 500 máscaras cirúrgicas para acompanhar os kits de higiene”, diz.
Na pandemia, o Unicef também atuou em outras frentes com ações voltadas para crianças e adolescentes em vulnerabilidade, com ações tanto para a população local como refugiados e migrantes venezuelanos na cidade.
Debora Nandja afirma que junto com a Acnur (Agência da ONU para Refugiados), o Unicef lidera o Grupo de Trabalho da Rede de Proteção, que visa ao fortalecimento da garantia dos direitos de crianças e adolescentes.
“Em parceria com a Aldeias Infantis SOS, o Unicef tem uma equipe formada por profissionais de Assistência Social e Psicologia que atua, em conjunto com a rede local, na identificação, referenciamento e gestão de casos para resposta a situações de violência contra crianças e adolescentes”, diz.
Entre as ações, Nandja cita parcerias que o órgão das Nações Unidas desenvolveu com entidades públicas e privadas para trabalhos na área da Educação, para promover o retorno seguro às aulas; na mobilização e engajamento de adolescentes e jovens, indígenas, refugiados e migrantes venezuelanos e outros, para gerar uma rápida resposta à Covid-19 nas comunidades mais vulneráveis; e na implementação de sistemas de abastecimento de água para acesso a água potável em escolas públicas e unidades de saúde.
Na área de Saúde, o Unicef desenvolveu ações como apoio na proteção da saúde de crianças, adolescentes e gestantes no contexto da pandemia da Covid-19; apoio para o aumento da cobertura vacinal; doações de EPIs (equipamentos de proteção individual); monitoramento ativo da Covid-19 nos espaços para refugiados e migrantes da Venezuela, entre outros.
Dados para doações ao projeto “Eu Amo meu próximo”
Telefone: (92) 99248-0221
Instituto de Pesquisa e Ensino para o Desenvolvimento Sustentável – IPEDS
Pix- CNPJ 41.640.946/0001-08
Banco: 290 – PagSeguro Internet S.A.
Agência: 0001
Número da conta: 13055160-9
Tipo: Conta de pagamento