Por Murilo Rodrigues, do ATUAL
MANAUS – Moradores da Comunidade Beco Airão, no bairro Praça 14, zona sul de Manaus, reclamam da falta de amparo da Prefeitura de Manaus no local. Eles relatam que a qualquer chuva as vias ficam alagadas e as águas invadem as casas causando transtornos e prejuízos.
A maioria dos moradores construiu batentes com escadas para dentro e para fora da casa na tentativa de evitar que a água entre nas residências e comércios durante as alagações. Uns até invadiram espaços da rua para fazer as “construções suplementares”.
O principal problema apontado pelos moradores são os bueiros. Construídos no início da década de 1990, não cumprem mais a função de escoar as águas que antes eram drenadas por um igarapé (o Igarapé do Mestre Chico). Atualmente, os bueiros estão todos entupidos com lixo, areia e entulho, o que dificulta a passagem da água. Durante as chuvas, os bueiros transbordem contribuindo para os alagamentos.
Ao ATUAL, a Seminf informou que uma equipe técnica atua regularmente na área, realizando limpeza e desobstruções de bueiros. Durante essas ações, foram detectadas construções irregulares na encosta do igarapé, que, por conta do peso das edificações, provocam o assoreamento do leito.
A Seminf realiza um estudo topográfico na área para determinar a conduta de atuação, uma vez que essas construções irregulares impedem o acesso das máquinas à área afetada.
Obras no viaduto que da acesso à comunidade
Em um vídeo gravado na última terça-feira (13) pelo secretário Renato Júnior, da Seminf (Secretaria Municipal de Infraestrutura de Manaus), ele relata que a Prefeitura de Manaus realizou um trabalho de contenção da água debaixo do viaduto Josué Cláudio de Souza para “melhorar a vida das pessoas”. O local é um dos acessos à comunidade.
Na legenda do vídeo, Renato Júnior diz: “É um trabalho pouco visto por quem passa, mas significativo aos moradores do entorno e do Beco Airão. Fizemos a contenção das laterais do viaduto, implantamos gramado, construímos uma área de convivência, reconstruímos a escada de acesso dos moradores e recapeamos a via principal”.
Para os moradores, o trabalho realizado embaixo e no entorno do viaduto não influencia positivamente no problema da alagação. Segundo eles, a situação continua a mesma.
Um vídeo das ruas alagadas e moradores tentando resolver o problema foi divulgado na última quinta-feira (15) pelo perfil da igreja católica da comunidade, rebatendo o vídeo feito pelo secretário Renato Júnior no Instagram. VEJA O VÍDEO AQUI.
A Pedagoga e moradora Mirian Bomfim, de 39 anos, disse que o trabalho no viaduto só foi realizado porque naquela área havia um deslizamento de terras e rachaduras. Segundo ela, já foi solicitado pelos moradores uma drenagem no local, mas o pedido não foi atendido.
“Os trabalhos foram feitos no viaduto, aqui [no Beco Airão] não houve a limpeza dos bueiros, não tem essa drenagem que a gente pede já há mais de 10 anos. Essa drenagem nunca aconteceu”, disse.
Mirian relatou que há mais de 3 anos não é realizada uma limpeza dos bueiros. “Há 3 anos eles fizeram essa limpeza [dos bueiros], vieram com as caçambas e fizeram, mas desde 2020 não houve mais nada. As tampas dos bueiros estão abertas e cheios de areia. Qualquer chuva alaga”.
“Infelizmente o Beco Airão está abandonado. A nossa insatisfação é essa, 100% insatisfeita a comunidade do Beco Airão. A gente está numa situação crítica onde não tem mais nem uma rua para passar” relatou a moradora.
Início das obras
O serviço realizado no viaduto Josué Claudio de Souza ocorreu após um grupo de 100 moradores interditarem parte do viaduto, que interliga as Avenidas Duque de Caxias e Álvaro Maia às avenidas Humberto Calderado e Marciano Armond. O protesto realizado em 2022 foi uma resposta aos constantes alagamentos na região em decorrência das chuvas.
O grupo chegou a atear fogo em pneus e usou cartazes e palavras de ordem, como “Viaduto está caindo” e “Chuviscou, Beco Airão alagou”.
Depois de várias denúncias sobre o possível risco de desabamento, a Seminf informou que não havia risco de o viaduto cair, que a Secretaria tinha um projeto de contenção da estrutura e que faria a contratação emergencial de empresa para executar a obra.
No dia 22 de dezembro de 2022, a Prefeitura de Manaus informou que um trabalho de contenção seria realizado debaixo do viaduto. Além disso seria feito serviços de infraestrutura na comunidade.
Problemas
Os moradores continuaram sofrendo com as alagações, perdendo moveis e os comerciantes, mercadorias.
No dia 22 de setembro de 2023, o Ministério Público do Amazonas pediu a retirada dos moradores do beco. Na ocasião, o promotor de Justiça Lauro Tavares da Silva, que assina a ação, solicitou que Governo do Amazonas e Prefeitura de Manaus garantissem moradias dignas às famílias, seja através de auxílio-aluguel ou da concessão de apartamentos dos programas Amazonas Meu Lar e Manaus Minha Casa.
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Lauro da Silva também defendeu que o governo do estado e a prefeitura fossem condenados a promover obras de manutenção do sistema de drenagem do beco. Os pedidos foram para a 1ª Vara da Fazenda Pública, que tem como titular o juiz Ronnie Frank Torres Stone.
A ação civil pública foi fruto de um inquérito civil aberto pelo Ministério Público em 2016, após relatos de alagamentos em residências de moradores do beco. De lá pra cá, foram diversas ocorrências. Moradores chegaram a promover protesto em abril de 2022 para chamar a atenção do poder público para o problema.
Durante a investigação, a prefeitura alegou ter feito algumas obras no local, mas, segundo o Ministério Público, foram serviços “superficiais” que não atacavam a “principal causa do assoreamento do sistema de drenagem: as ocupações irregulares sobre e as margens do leito do igarapé”.
A última informação prestada pela Seminf à época foi a de que havia, no local, uma “extensão calculada de 150 a 200 metros com residências construídas de forma irregular dentro do igarapé e que precisam ser retiradas para dar continuidade ao serviço de dragagem e concluir as obras necessárias”.
O Governo do Amazonas afirmou que caberia somente à prefeitura realizar obras no local. Segundo o estado, a área foi objeto apenas de estudos e projetos na fase de implementação do Prosamim (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus), na qual houve cadastro e selagem. Os projetos nunca chegaram a ser executados.
Prosamim
Iniciado no governo de Eduardo Braga, em 2006, o Prosamim foi desacelerado na gestão de Omar Aziz (PSD) e praticamente paralisado no governo de José Melo (Pros). Comunidades como a do Beco Airão, na zona sul, erguida sobre o Igarapé do Mestre Chico, próximo à nascente do igarapé, foram mutiladas.
No Beco Airão, por exemplo, dezenas de famílias foram retiradas e colocadas em apartamentos do Prosamim, mas como o projeto foi abandonado, os terrenos começam a ser ocupados por novos moradores.
Obras de invasão
Alguns invasores construíram casas novas no local onde já haviam sido retiradas as residências, e outras pessoas apenas invadiram o local e venderam o terreno para terceiros. Algumas casas construídas nessa época estão alugadas.
Antes do Prosamim, a maioria das casas era de madeira, construídas sobre barrotes, o que possibilitava a passagem das águas das chuvas sem alagações. Além da invasão dos terrenos, alguns moradores ocuparam também as ruas do Beco Airão com construções irregulares como calçadas altas, muretas e escadas, que dificultam a passagem da água e contribuem para aumentar a proporção dos alagamentos.
Durante as chuvas, alguns moradores aproveitam a enxurrada e jogam lixo, entulhos, garrafas pet entre outros materiais na água. O material entra nos bueiros e causa entupimento.
Uma lixeira para comunidade descartar o lixo foi construída em cima de um dos bueiros, na entrada do beco. O local é um dos mais afetados pela alagação.
Anteriormente havia horários para que os moradores jogassem o lixo, mas não era respeitado. Os resíduos se espalham pelo chão. Com as chuvas, são arrastados para dentro dos bueiros e igarapés. E as alagações se repetem em um ciclo sem fim.