EDITORIAL
MANAUS – O trabalhador e os servidores públicos estão com os salários congelados há pelo menos dois anos, e grande parte dos primeiros tiveram corte salarial em função da pandemia do novo coronavírus. Mas enquanto essa parcela da população aceitou o sacrifício, o chamado “mercado” avançou sem dó nem piedade sobre a renda dos brasileiros.
Essa conta nunca vai fechar. Por que uma parcela da população é obrigada a fazer sacrifícios enquanto outra a explora? No caso dos trabalhadores, o Estado brasileiro se apressou em encontrar soluções, não para eles, mas para as empresas que ameaçavam demitir.
Neste caso o Poder Executivo e o Congresso Nacional acharam saídas, oferecendo vantagens às empresas, mudando a legislação trabalhista para permitir a redução de salários e oferecendo dinheiro para complementar parte da renda perdida.
Por outro lado, o aumento de preço ficou ao bel prazer do mercado. Primeiro, o material de construção, em 2020. Alegando a alta procura e a baixa produção, alguns itens chegaram a ter o preço elevado em mais de 100% – caso dos cabos elétricos.
Depois foi a vez dos alimentos e produtos de limpeza, essenciais a qualquer família. Os supermercados culpam os fornecedores, que culpam os produtores, que culpam os insumos. No fim das contas, quem paga para que a cadeia não tenha prejuízos é o trabalhador que teve seus salários congelados ou reduzidos.
E o “mercado”? Ah, o “mercado” é um ente inalcançável, intocável, “imexível”, como disse certa vez um ministro do governo Collor. Para o mercado, dizem os economistas, não pode haver regulação, ele próprio dá conta de fazer isso.
A única regulação que o próprio “mercado” se impõe é o lucro, que não pode ser nem igual nem menor, tem que sempre ser maior. E quanto maior, melhor.
Esse mesmo “mercado” não conhece as palavras humanidade, solidariedade, sacrifício. Não se incomoda com situações sociais como a criada pela pandemia. Enquanto morrem milhões pelo mundo acometido pela Covid-19, o mercado corre em busca de lucro, com a promessa de que os investidores vão reconstruir o sobrar do caos.
Neste sentido, o preço dos combustíveis, sem qualquer motivação plausível, no Brasil já tiveram os preços elevados em mais de 50% durante a crise da pandemia. Enquanto o trabalhador vê seu salário encolher para abastecer o tanque do carro, a Petrobrás anuncia um recorde de lucro líquido para os seus acionistas: mais de R$ 42 bilhões em três meses.
A energia elétrica, embalada por uma “crise hídrica”, também avança sobre o bolso do trabalhador. As tarifas nunca estiveram tão elevadas, mesmo antes da crise, mas pioraram com ela. Para salvar o “mercado”, o próprio “mercado” faz suas regras, porque o “mercado” não pode perder, só ganhar.
Por isso, a conta de energia é elevada, para que o lucro das empresas do setor elétrico não corra risco de baixa.
Os economistas desonestos vão dizer que essa é a melhor solução para que não falte energia no futuro e para que a Petrobras não deixe de ser competitiva.
E o trabalhador? E os servidores públicos? A quem podem recorrer? Não há nada o que possam fazer, apenas arcar com os custos de toda essa engrenagem. A questão é: até quando essa fatia da população vai suportar?
As autoridades brasileiras estão fechando os olhos para um problema que pode, no futuro próximo, estourar. Quando a população é empurrada contra a parede, o natural é que reaja. É neste sentido que o aumento de preços e o congelamento de salários podem levar a uma convulsão social.