Da Agência Câmara
BRASÍLIA – Divergências de opinião marcam o primeiro debate da Câmara sobre transgêneros no esporte. A audiência pública foi promovida, nessa quarta-feira, 5, pela Comissão do Esporte, que futuramente vai analisar três projetos de lei (PLs 2200/19, 2596/19 e 2639/19) que estabelecem o sexo biológico como único critério para a definição do gênero em competições esportivas oficiais no Brasil.
As propostas surgiram após reclamações de algumas atletas quanto ao desempenho de Tifanny Abreu, do Sesi-Bauru, na Superliga feminina de vôlei. Tifanny, que iniciou a carreira no masculino, fez a transição de gênero a partir de 2012 e hoje está devidamente registrada para a disputas femininas da Confederação Brasileira de Vôlei.
Doutorando em educação física e autor de artigos sobre o tema, Rafael Marques minimizou a suposta vantagem corporal das atletas transgênero em competições de mulheres.
“A priori, não existe vantagem por conta do sexo”, afirmou. “No naipe masculino, sempre haverá homens que vão levar vantagem entre si: mais alto, mais baixo, mais forte, menos forte. Entre as mulheres, a mesma coisa. Por que ninguém questiona a supremacia africana nas provas de corrida? Por que ninguém questiona o Michael Phelps na natação?”, questionou.
Regras internacionais
Ex-técnico da seleção masculina e supervisor da seleção feminina de vôlei, o atual diretor-executivo da CBV, Radamés Lattari Filho, afirmou que o caso Tifanny passou pelo crivo do comitê médico da confederação e está de acordo com as normas do Comitê Olímpico Internacional. No entanto, Lattari alertou que as regras internacionais estão em reformulação e poderão levar em conta as especificidades de cada modalidade esportiva.
“No atletismo, já se chegou a uma conclusão de que, nas provas de velocidade, existe uma vantagem para trans. Mas, nas provas mais longas, essa vantagem desaparece. Então, acredito que, com os estudos que vêm sendo feitos, novas regras vão ser adotadas por cada federação internacional e vão ser (regras) diferentes por modalidades esportivas”.
Histórico
Os palestrantes lembraram que, até 1966, algumas mulheres chegaram a ser submetidas a uma banca médica para avaliação de genitália antes das competições. Posteriormente surgiram os testes laboratoriais com cromossomos, que chegaram a barrar atletas como a corredora espanhola Maria Martinez-Patiño e a judoca brasileira Ednanci Silva. Em 2003, novas regras adotadas no Consenso de Estocolmo permitiram a competição de atletas trans, como a golfista dinamarquesa Mianne Bagger, a lutadora americana de MMA Fallon Fox e o triatleta Chris Mosier, primeiro transexual a integrar a seleção olímpica dos Estados Unidos. As regras atuais foram adotadas pelo COI a partir de 2015 e se baseiam principalmente no nível de testosterona, o hormônio masculino, no corpo da atleta.
‘Debate retrógrado’
Como já existem regras internacionais sobre o tema, a representante da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil, Natália Vasconcelos, avalia que esse tipo de debate é ‘retrógrado’ e está ‘superado’. “Estou aqui muito triste de ver, mais uma vez, essa Casa discutindo a exclusão social das pessoas trans, a exclusão do esporte. Não tem embasamento científico algum que refute o estudo científico que foi feito pelo Comitê Olímpico Internacional. A transfobia institucional dessa Casa tem se fortalecido e isso me preocupa muito”, lamentou.
‘Justiça’
Já o organizador do debate e autor de um dos projetos de lei (PL 2596/19) sobre o tema, deputado Julio Cesar Ribeiro (PRB-DF), negou qualquer tipo de preconceito na discussão e disse que o foco está na busca de ‘justiça’ entre os competidores.
“Entramos com esse projeto justamente por entender que está havendo algumas desigualdades no esporte. Em nenhum momento, a gente está discutindo aqui o sexo de ninguém. Também respeito o gênero de qualquer pessoa. O que estamos debatendo aqui é a questão do transgênero no esporte: se é legal ou não, se é viável ou não”.
Agenda
O próximo debate na Comissão do Esporte está marcado para o dia 25 e vai reunir Tifanny Abreu e a ex-jogadora da seleção brasileira de vôlei Ana Paula Henkel, que recentemente divulgou uma carta aberta ao Comitê Olímpico Internacional alegando que a presença de atletas transgêneros no esporte traz desigualdade e risco para as categorias femininas.