As periferias urbanas são conhecidas por serem lugares de alta densidade demográfica, que se caracterizam pela distância em relação ao centro da cidade, mas também pela precariedade ou ausência dos serviços essenciais. Em Manaus, é possível constatar com facilidade a precariedade e a inexistência dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em amplas áreas da cidade, principalmente nas zonas periféricas.
Resultado de uma governança injusta e elitista que privilegia setores específicos da sociedade manauense, a periferia domina a maior parte de cidade, sendo ignorada pelos poderes públicos, impactando a experiência de vida de milhões de homens, mulheres e crianças.
Carentes de transportes coletivos, hospitais, segurança, moradia digna, escolas de qualidade e muitos outros serviços, as periferias assinalam o lugar social dos seus habitantes. Essas áreas representam a base da sociedade produzida pelo sistema político e econômico capitalista, que por sua vez, é promotor de desigualdades, racismos e violências sociais. A falta de água e esgotamento sanitário nas periferias evidencia este modelo social perverso, que é reforçado pela privatização, tornando a cidadania acessível somente aos que podem pagar.
O desempenho do saneamento básico nas periferias manauenses mostra que a política de privatização adotada é grande aliada de um sistema social injusto, que busca naturalizar a exclusão e o sofrimento das populações mais pobres impondo condições subumanas de vida, visto que a água potável e o esgotamento sanitário constituem serviços essenciais. Tal cenário é preocupante, pois normaliza um modelo de sociedade violento e agressor da dignidade humana.
Tal sociedade implica a existência de uma classe de empobrecidos condenados a viver perpetuamente sob o julgo da pobreza e da miséria, enquanto uns poucos vivem sob o luxo e a arrogância. Esta organização social, mesmo sendo moralmente condenável e ambientalmente insustentável, encontra poderosos defensores, mostrando que a indiferença, a falta de empatia e a cruelmente são condutas que determinam o arranjo social em que vivemos.
Os vinte anos de precariedade dos serviços de água e esgoto sob a gestão privada mostram que a privatização dos serviços públicos não visa a sua universalização, mas ao enriquecimento dos empresários do saneamento, que extorquem a população através tarifas elevadas e acessam a abundantes recursos públicos. Bairros como Jorge Teixeira, Santa Etelvina, Cidade Nova e outros são obrigados a sobreviverem em condições humanamente deploráveis para manter os lucros da concessionária Águas de Manaus.
A empresa tem entrado frequentemente nestas localidades efetuando cobranças abusivas, quebrando calçadas sem autorização dos proprietários, realizando cortes ilegais (em época de pandemia) e deixando a população sem água e tratamento de esgotos. A falta de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis e a omissão do poder concedente (a Prefeitura de Manaus) reforçam tais agressividades contra os moradores das periferias, mostrando a perversidade do paradigma capitalista e a sua capacidade de cooptação das instituições públicas, colocando-as a seu favor e contra as populações de baixo poder aquisitivo.
Enquanto as periferias não forem ouvidas jamais teremos uma sociedade minimamente justa e democrática! Se estas áreas são ignoradas até na implantação dos serviços mais básicos, é difícil vislumbrar voos mais altos. No entanto, nenhuma mudança pode ser aventada sem o protagonismo das periferias, que reúnem as populações mais vulneráveis e violentadas pela lógica da propriedade privada.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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