
EDITORIAL
MANAUS – A grande incógnita que se impõe com o fim dos trabalhos da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid-19 no Senado é a ação do procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem compete apresentar denúncia contra os indiciados no relatório final da comissão, entre eles o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).
Ao presidente, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) imputa os crimes de prevaricação, charlatanismo, epidemia com resultado de morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com a dignidade, a honra e o decoro do cargo), crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos).
A maioria desses crimes no relatório da CPI foram “construídos” a partir de fatos amplamente conhecidos pelo procurador Augusto Aras e por boa parte dos brasileiros.
Augusto Aras presenciou, algumas vezes pessoalmente, o presidente Jair Bolsonaro desrespeitar as regras sanitárias. O chefe da Nação, durante toda a pandemia, desafiou os gestores municipais e estaduais com caminhadas, visitas a locais públicos, sem máscara, abraçando pessoas, ignorando as recomendações de distanciamento social, pelo simples fato de ser contra as medidas adotadas em todos os países do mundo.
Depois, Bolsonaro convocou manifestações, passou a organizar passeios de motocicleta nas principais capitais do país, causando aglomerações de toda ordem. Em janeiro deste ano, em momento extremamente crítico da pandemia no Amazonas, o presidente provocou aglomeração no município de Praia Grande, no litoral paulista, ao pular de uma lancha ao mar e nadar em direção aos banhistas.
Bolsonaro usou as redes sociais, com sua live semanal, para disseminar mentiras sobre a pandemia e defender o uso de medicamentos ineficazes no combate à doença com o propósito de encorajar os brasileiros a deixar o isolamento social e as medidas de segurança, única forma até meados deste ano, de se prevenir da morte pelo novo coronavírus.
As TVs, a mídia eletrônica e os usuários das redes sociais mostraram vídeos em que o presidente desdenhava das vacinas e desautorizava seu ministro a adquiri-las, como fez com a Coronavac, a quem chamou de “vacina do Dória” e/ou “vacina da China”.
Também está registrado em vídeo as vezes em que o presidente fez pouco caso das ofertas da Pfizer, empresa que primeiro produziu vacinas no Mundo contra a Covid-19. Bolsonaro apontava cláusulas contratuais “inaceitáveis” para o Brasil, mas eram as mesmas cláusulas aceitas pelos Estados Unidos, Reino Unido e Israel, os primeiros a comprar vacinas e iniciar a vacinação, ainda em dezembro de 2020.
O Brasil só começou a vacinar na segunda quinzena de janeiro de 2021, muito mais pela insistência do governador de São Paulo, João Dória (PSDB), do que pela vontade do presidente. O resultado foi que nos seis meses entre março e agosto deste ano, a Covid-19 matou duas vezes mais brasileiros e brasileiras do que havia matado em um ano.
Onde estava Augusto Aras que nada fez diante de tantos absurdos praticados pelo chefe do Poder Executivo, que deveria tomar à frente das ações de combate à pandemia?
O Brasil acompanhou a novela da indicação de Augusto Aras pelo presidente Bolsonaro para o segundo mandato como procurador-geral da República. Foi esse o motivo de não agir contra os desmandos do chefe da Nação?
Os membros da CPI dizem que apostam numa ação exemplar do procurador-geral da República contra Bolsonaro, a partir do relatório final. Mas a maioria fala da boca pra fora ou na tentativa de pressionar o procurador.
Alguns dizem que Aras não teria mais motivos para proteger o presidente, porque não poderia ser reconduzido ao cargo depois do segundo mandato. Mas não se pode esquecer que Aras daria tudo por uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
Todos os olhos estarão voltados ao procurador-geral da República nas próximas semanas.