Da Folhapress
GENEBRA, SUÍÇA – Após a divulgação de relatório da ONU que aponta o uso de esquadrões da morte e tortura contra detidos pela ditadura de Nicolás Maduro, a Venezuela soltou, na noite desta quinta-feira, 4, 22 presos políticos: 20 estudantes, a juíza Maria Lourdes Afiuni e o jornalista chileno-venezuelano Braulio Jatar.
A informação foi divulgada pela chefe do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que visitou Caracas em junho e publicou o relatório na quinta. Um porta-voz afirmou que Bachelet havia pedido a Maduro a libertação de 22 presos.
Ela considerou o ato “o começo de um engajamento positivo [do governo] nas muitas questões humanitárias do país”. Disse ainda que outras 62 pessoas foram soltas em junho.
Afiuni estava em prisão domiciliar desde 2011. Ela foi detida em 2009, sem mandado, por ordem do então presidente Hugo Chávez, em represália à sua decisão de mandar soltar Eligio Cedeno, banqueiro acusado de evasão de divisas. À época, Chávez defendeu num programa de TV que ela ficasse presa por 30 anos.
Os promotores acusaram a juíza de aceitar suborno para libertar Cedeno, o que ela nega. Segundo Afiuni, a libertação ocorreu porque o banqueiro aguardava julgamento por mais tempo do que o permitido por lei. Ela foi denunciada por corrupção, abuso de autoridade e favorecimento para liberar o empresário.
Afiuni havia dito que foi estuprada enquanto esteve na prisão, entre 2009 e 2011, e que teve tratamento médico recusado pelas autoridades. Líderes chavistas rejeitaram as alegações, considerando-as uma farsa em busca de simpatia.
Em março, seu processo finalmente foi julgado, e Afiuni foi condenada a cinco anos de prisão por “corrupção espiritual”, crime que não está previsto na lei.
A legislação venezuelana, de forma similar ao que é adotado no Brasil, pune a corrupção ativa e passiva, tanto nos casos em que o funcionário público recebe alguma vantagem quanto naqueles em que aceita a promessa de receber. Nenhuma dessas duas hipóteses ficou comprovada no processo de Afiuni.
Segundo o jornal venezuelano El Nacional, os juízes a sentenciaram por “sentir prazer” ao decidir de forma favorável a Cedeno -nenhuma prova dessa reação de Afiuni foi apresenta pelo Ministério Público, segundo o periódico.
De acordo com Juan Carlos Goitia, advogado da juíza, a decisão desta quinta-feira retirou a exigência de que ela se apresente periodicamente à Justiça, mas a mantém proibida de sair do país. O caso de Afiuni ganhou ampla repercussão internacional e foi considerado uma das maiores ingerências do Executivo venezuelano no poder Judiciário.
Após sua prisão, jornais locais noticiaram que juízes se sentiram intimidados a proferir decisões que desagradassem o governo de Chávez.
Já o jornalista Braulio Jatar, que também foi liberado, estava preso na ilha de Margarita. Ele havia sido detido após divulgar um protesto contra Maduro, além de ter sido acusado de lavagem de dinheiro.
O vice-ministro das Relações Exteriores da Venezuela, William Castillo, rechaçou nesta sexta-feira, 5, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o documento de Bachelet que cita a existência de esquadrões da morte no país para assassinar jovens.
Castillo disse que a Venezuela rejeita as “acusações criminosas”. “Além de certo excesso ocasional, parece que o Estado deve ficar parado enquanto sérios riscos à segurança e um golpe de Estado estão sendo planejados, incluindo a intervenção estrangeira, como o presidente [dos EUA, Donald] Trump ameaçou”, disse.
Castillo afirmou ainda que as sanções impostas pelos americanos contra o país impediram o refinanciamento da dívida externa, bloquearam importações essenciais de alimentos e remédios e custaram bilhões de dólares em ativos perdidos de petróleo.
“A Venezuela não pode refinanciar sua dívida, e os petroleiros e empresas estão sendo punidos”, acrescentou, afirmando que a receita de exportação de petróleo despencou de US$ 40 bilhões para US$ 5 bilhões ao ano.
O país tem dívidas de US$ 200 bilhões com um grupo de detentores de títulos, fornecedores comerciais e empresas cujos ativos foram desapropriados. Com a inadimplência, os credores estão relutantes em negociar devido às sanções dos EUA.
Em manifestação nesta sexta-feira, 5, o líder opositor Juan Guaidó pediu a seus apoiadores para manter a pressão para tirar Maduro do poder.
“Não se rendam. Vamos conseguir!”, disse Guaidó, chefe da Assembleia Nacional, órgão de maioria opositora, e reconhecido como presidente interino da Venezuela por mais de 50 países.
A mobilização, que ocorreu no mesmo dia da proclamação da independência da Venezuela, celebrou as denúncias de detenções arbitrárias e tortura no relatório da ONU.
Os protestos no país vinham perdendo força após uma série de manifestações desde o começo do ano e a frustrada tentativa de depor Maduro liderada por Guaidó e Leopoldo López, em 30 de maio.
A marcha desta sexta se dirigiu à sede da Direção de Contrainteligência Militar, onde estava detido o militar Acosta Arévalo, morto em meio a denúncias de “torturas selvagens”, mas foi bloqueada por forças policiais.