Aporofobia tem sido um dos comportamentos mais recorrentes no atual estágio do sistema capitalista. Entretanto, a conduta aporofóbica, tem sido reproduzida historicamente, desde muito antes do capitalismo.
Aporofobia é uma palavra de origem grega dividida em duas partes. A primeira fração da palavra é o prefixo άπορος ou á-poros, que significa sem recursos, indigente, pobre; e a segunda parte da palavra φόβος ou fobos, significa medo, rejeição, hostilidade. De forma resumida, aporofobia significa e aversão às pessoas pobres e à pobreza.
No meio acadêmico, o conceito aporofobia começou a circular em 2017 com as publicações da filósofa Adela Cortina, da Universidade de Valência, na Espanha onde é leciona Ética e Filosofia Política e é diretora da Fundação Étnor para a Ética dos Negócios e das Organizações, membro da Academia das Ciências Morais e Políticas. Adela Cortina é considerada uma das maiores autoridades internacionais nos estudos da aporofofia. Ela possui um currículo invejável com oito doutorados honoris causa proferidos por diversas universidades no mundo.
De acordo com os estudos de Adela Cortina, aporofobia rima com xenofobia, homofobia, racismo e outras formas de discriminação e intolerância, e desperta o que há de pior no ser humano que é a arrogância e o sentimento de superioridade.
O comportamento orientado pela aporofobia faz com que a pessoa imagine que existe uma espécie subumana desprovida de dignidade, de alma, de humanidade. É como se o pobre despertasse o sentimento de insegurança, ameaça, nojo, rejeição. É como se a condição de pobreza transformasse o ser humano em uma espécie de animal ameaçador.
El seu livro Aporofobia, el rechazo al pobre: Un desafío para la democracia. (Aporofobia, a aversão aos pobres: um desafio para a democracia), publicado em Barcelona pela editora Paidós em 2017, Adela comenta a razão para ter dado nome ao comportamento de aversão aos pobres.
“É oportuno que se fale de um fenômeno existe e que este tenha um nome. Me chama a atenção quando se diz que é preciso dar nome às tormentas, por exemplo, ou aos ciclones, porque assim as pessoas se previnem contra eles. A aversão aos pobres, a atitude de relegá-los socialmente, também é algo que se deve prevenir, porque é o mais contrário à dignidade das pessoas e um desafio contra a democracia. Não pode ser que uma parte da população despreze a outra e a considere inferior”, explicou.
A autora argumenta que é preciso “conhecer para prevenir”. Ou seja, é preciso saber que o comportamento aporofóbico existe e que o reproduzimos mesmo sem tem a necessária consciência dos danos que isso causa na sociedade. Tomar consciência dos danos que a aporofobia causa na sociedade, entende-la como uma ameaça à democracia, já é um caminho para sua prevenção.
Na Amazônia, a aporofobia se projeta de forma quase institucionalizada contra os povos indígenas, contra os migrantes, contra as mulheres, os jovens e as crianças. Sim, há pessoas que tem medo de crianças pobres, maltrapilhas, famélicas. Existem pessoas que correm “de medo” de uma mulher pedindo esmola no semáforo com um bebê no colo. Há pessoas que rechaçam os migrantes não pelo fato de serem estrangeiros, mas, pelo fato de estarem em situação de pobreza.
O crescimento do linchamento aos pobres categorizados como “bandidos”, logo, como “perigosos” tem sido recorrente em toda Amazônia. A aporofobia está na raiz deste comportamento coletivo que não tem o mesmo nível de intolerância no caso de “bandidos” de colarinho branco que roubam muito mais da sociedade do que o assaltante maltrapilho da esquina.
O extermínio dos jovens em situação de pobreza, triplamente discriminados por serem pobres, negros, “favelados”, é outra forma de manifestação da aporofobia.
No âmbito institucional, a desapropriação de uma ocupação com população eminentemente pobre, como ocorreu recentemente no Monte Horebe, na periferia da zona norte de Manaus. Essa é uma também uma forma declarada de institucionalização da aporofobia. O juiz Cezar Bandieira questionou a legitimidade da DPE em acordo para o despejo das famílias.
Por fim, a lista de comportamento pessoal, coletivo ou institucional pautado na aporofobia é imensa na Amazônia, no Brasil e no mundo, podendo render muitos outros artigos e estudos mais aprofundados. O que ora se apresenta é apenas uma provocação ao debate de um tema que precisa ser permanentemente discutido em sociedade.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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