Por Mônica Bergamo, da Folhapress
SÃO PAULO – O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin afirmou em um jantar em sua homenagem, na segunda (11), que já trocou “caneladas” em disputas eleitorais com o ex-presidente Lula. O governo “cruel” de Jair Bolsonaro, e a ameaça que ele representa à democracia, porém, exigiram de ambos a superação de divergências e a união em torno da defesa das liberdades e das instituições.
“Os tempos mudam, as pessoas mudam e a história mudou. Temos hoje um governo [de Jair Bolsonaro] cruel com o povo, que não pode continuar”, disse ele a uma plateia de advogados e juristas que sempre se posicionou majoritariamente no campo da esquerda.
“Eu e Lula já disputamos [eleições]. Teve canelada. Mas o fato é que a democracia hoje exige que estejamos juntos, para somar, somar e somar. Sei da minha pequenez diante da grandeza do país, mas me incorporo a esse esforço cívico, a essa grande frente em benefício da democracia”, afirmou ele, sob aplausos.
“Há governos que são autocracias. ‘É o que eu [governante] quero’, acima da lei, à margem da lei. E há as democracias, que respeitam as instituições. As pessoas passam, mas as instituições ficam”, seguiu.
Em seguida, elogiou os advogados: “Tão importante quanto as bandeiras erguidas são as mãos que as empunham. Fico feliz de estar com vocês, junto às suas mãos benfazejas”.
Foi a primeira vez que Alckmin se manifestou mais longamente sobre o processo que o levou a firmar uma aliança com Lula. O encontro foi na casa do advogado Pedro Serrano, e organizado também pelo advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, e por Fernando Guimarães, do Direitos Já.
Os dois pré-candidatos ao governo de São Paulo Fernando Haddad (PT-SP) e Márcio França (PSB-SP), que devem apoiar Lula e Alckmin, também participaram da homenagem.
Alckmin chegou por volta das 20h30 ao encontro, e foi embora depois da meia-noite. Elogiado permanentemente pelos convidados, dedicou um tempo de conversa a praticamente todos eles, circulou pelas rodas tirou fotos com funcionários da casa
Em seu discurso, o ex-governador fez um histórico dos momentos em que as trajetórias dele e de Lula se cruzaram.
Começou afirmando que a vida pública “não é fácil”.
“Embora eu pareça zen, pois faço acupuntura há muitos anos, sempre atendi ao chamado da responsabilidade e trilhei caminhos que não eram fáceis”, afirmou.
Ele lembrou que nos anos 1970, em plena ditadura militar, políticos respeitados de Pindamonhangaba, onde nasceu e começou sua carreira pública, acabaram aderindo à Arena, o partido que sustentava o regime fardado.
Já ele foi candidato a vereador “pelo Manda Brasa [apelido do então MDB, partido que se opunha à ditadura]”. Depois, se elegeu prefeito da cidade.
O estado de São Paulo, diz, tinha naquela época “mais de 500 prefeitos, e só 33 eram da oposição”.
“E foi quando eu tive o meu primeiro embate com o Lula”, relembrou.
Era o ano de 1978, e o MDB tinha lançado dois candidatos ao Senado. “Eu apoiei Franco Montoro. Do outro lado, o Lula apoiou Fernando Henrique Cardoso”, lembrou.
“O interessante é que eu ganhei o embate”, disse, rindo. Montoro foi eleito, e FHC virou suplente.
Em 1982, Montoro foi eleito governador de São Paulo. E Fernando Henrique assumiu o cargo de senador.
O segundo momento em que ele e Lula se cruzaram na história foi em 1988, quando foram eleitos deputados constituintes e participaram da elaboração da Carta Magna até hoje em vigor.
Em 2002, com Lula recém-eleito presidente e ele, governador de São Paulo, os dois participaram de um encontro em Minas Gerais e o petista fez uma charada: “Em quem você está pensando, eu também estou”.
Os dois queriam convidar o engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues para fazer parte de suas respectivas equipes. Lula ganhou a parada, e ele virou ministro.
Durante o exercício dos mandatos, o relacionamento era harmônico, diz Alckmin. Lula chegou a convidá-lo para irem juntos à China.
“Na véspera da partida, eu percebi que iríamos no Sucatão [avião antigo no qual os presidentes brasileiros viajavam]. A Lu [Alckmin, então primeira-dama de SP] achou melhor a gente não ir. Mas embarcamos. O avião batia asas. Saímos de Brasília, paramos na Ilha do Sal, em Kiev, na Ucrânia, e depois em Beijing”.
“Fizemos inúmeras parcerias ao longo dos anos”, seguiu Alckmin, referindo-se ao PT.
“No governo Lula, o [então ministro da Justiça] Marcio Thomaz Bastos me procurou. Eles não tinham presídios de segurança máxima na esfera federal. Não tinham onde colocar o [traficante] Fernandinho Beira-Mar. Acertamos de ele vir para um dos presídios de São Paulo. No governo Dilma Rousseff, fizemos uma cooperação para construir cem mil casas populares. Acabamos entregando 120 mil. Com [o então prefeito] Fernando Haddad, criamos o passe do idoso, que tem que voltar. Governar é escolher”.
Alckmin também fez um paralelo de sua decisão de sair do PSDB, se filiar ao PSB e formar uma chapa com Lula com o momento em que, em 1988, deixou o MDB justamente para fundar a legenda tucana.
“Diziam que eu não sairia do partido, pois tinha bases muito arrumadinhas, 28 prefeitos do MDB me apoiavam. Pois eu fui [para o PSDB]. E quantos deles foram comigo? Nenhum”, seguiu ele. O telefone de um dos aliados que o apoiavam ficou mudo, diz. “Quando telefonavam, ou era a mulher dele ou era engano.”
Alckmin afirmou ainda que os desafios da campanha eleitoral serão enormes, mas que é preciso “abrir os olhos das pessoas, escutar, convencer. Levar esperança. E o presidente Lula representa tudo isso. Ele tem experiência e liderança, ele fala com o povo”.
Alckmin citou ainda uma frase que diz ter ouvido várias vezes do ex-governador Franco Montoro, morto em 1999. Ele afirmava que, diante dos desafios, as pessoas não podem ter “nem os braços cerrados da violência nem os braços fechados da indiferença. Mas, sim, os braços abertos da solidariedade”.
Mário França e Haddad também fizeram pequenas falas.
O ex-governador do PSB afirmou que Alckmin não é apenas o político mais idôneo que ele já conheceu, “mas a pessoa mais idônea que já vi. Ele é quase fora do nosso mundo, pela espiritualidade que tem”. França disse ainda que a reeleição de Jair Bolsonaro pode aprofundar o autoritarismo no país.
“Pessoas autoritárias, quando reeleitas, ficam mais autoritárias pois acham que as pessoas concordam com elas. Foi assim do Hitler na Alemanha, com o Putin na Rússia. E será assim com muita gente”.
Ele elogiou ainda a aliança de Lula e Alckmin.
“A genialidade do ato [de união com Alckmin] está no presidente Lula, que percebeu que era possível juntar mais gente [em torno da candidatura e da aliança para um eventual futuro governo]”. Dirigindo-se então a Alckmin, ele disse: “Estou aqui hoje elogiando a sua humildade e a persistência do Lula, que mais uma vez encontra forças para fazer o que só ele poderia fazer nesse instante [derrotar o bolsonarismo]”.
Haddad disse que o gesto de Alckmin deveria ser “seguido por todos os democratas do país, para preservar a democracia, a República, a Constituição de 1988, que são frutos do que cada um de nós fez para que o país vivesse em liberdade. Diante do absurdo que ocorre no Brasil hoje, o governador Alckmin teve o gesto de desprendimento de se unir àquele que sempre foi seu adversário, mas nunca seu inimigo”.
Lembrando que Lula se refere a ele como “o mais tucano dos petistas”, Haddad disse também que sempre afirmava ao ex-presidente que, se o PT acabasse, os tucanos sentiriam saudade -e vice-versa.
“A centro-direita democrática e a centro-esquerda democrática viraram juntas a página triste dos 21 anos de ditadura militar no Brasil, e hoje se unem para que ela não se repita”.
Segundo Haddad, o bolsonarismo hoje oferece “não de novo a ditadura, mas o seu porão para governar o país.”