Da Redação
MANAUS – Em portaria do dia 10 de setembro de 2021, a Corregedoria-Geral dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Amazonas revogou a portaria de 2012 da desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo sobre o uso do comprovante de residência em processos judiciais. A decisão da magistrada determinava que: “na hipótese do comprovante de residência ser de terceiro, deverá ser apresentado declaração deste, afirmando ser também o domicílio do requerente, bem como cópia da identidade do declarante”.
Com a decisão, usar comprovante de residência em nome de terceiros para ajuizar ação na Justiça do Amazonas poderá ser aceito ou não, conforme critério adotado por cada juiz, mesmo que o requerente tenha declaração expressa do titular do comprovante. A medida gerou reclamação de advogados.
“É um absurdo”, afirma o advogado Giacomo Dinelly, especialista em direito do consumidor, em declaração à assessoria da OAB-AM (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Amazonas). Em texto divulgado pela assessoria da entidade, Dinelly diz que o que judiciário entende “em miúdos” com a nova diretriz é que “todo cidadão maior de 18 anos deve ter um comprovante de residência em seu nome”.
A decisão, segundo ele, torna mais difícil o acesso ao judiciário pois muitos juízes não aceitam a declaração de residência de próprio punho nem a declaração de vida e residência emitida em delegacia.
Também no comunicado da OAB à imprensa, o advogado Thiago Coutinho, especialista na área cível, considera a medida burocrática. “Não se pode exigir além do necessário e do Legal para que a parte acesse o judiciário, existem casos em que o processo é extinto porque o autor, que demonstra ser filho do titular do comprovante, não consegue prosseguir com o processo ou casos em que mesmo havendo a declaração do titular ou de ente público, existe a negativa”.
Coutinho explica que o que define “domicílio” é o “ânimo de residir em determinado local”, logo, para ele, a depender do tipo do processo e havendo a manifestação do autor dizendo que reside naquele local, deveria ser o suficiente.
“A competência territorial é relativa e pode ser contestada pela parte adversa; normas como a Lei 7.115/83 dão presunção de veracidade à declaração de residência do autor, e ações com legislação diferenciada, como as consumeristas, permitem o ajuizamento tanto no domicílio do autor quanto do réu, ou seja, que diferença faz o requerente morar na comarca se o fornecedor lá tem sede?”, questiona o advogado no texto da OAB-AM.
Como solução para a burocracia, Thiago diz que procura nos cadastros do cliente evidências que denotem sua residência, como cadastros bancários e aplicativos de entrega, documentos fiscais e financeiros ou registros públicos na Semef (Secretaria Municipal de Finanças), Serasa/SPC. “Quando nada dá certo, recorro da decisão”.
Outra alternativa citada pelo advogado Giacomo Dinelly é de apresentar o local de votação do requerente nos processos para justificar a “competência territorial”, podendo não ser aceita. “Não atende 100% dos casos. Há clientes que votam no interior e moram na capital há décadas. Como a nova orientação está muito recente, essa foi uma medida alternativa que encontramos”, disse no texto distribuído pela OAB-AM.
Posicionamento do TJAM
A Corregedoria-Geral dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais informou, em nota, que a Portaria nº 01, de 9 de setembro de 2021, não proibiu a utilização de comprovante de endereço em nome de terceiros, mas que, atualmente, os magistrados podem verificar a existência de eventual tentativa de fraude e decidir pela admissão, ou não, de tais comprovantes e das respectivas declarações.
Segundo a Corregedoria, a Portaria nº 001/2012, dentre outras providências, determinava que “as petições ajuizadas no sistema dos Juizados Especiais, venham de logo, acompanhada com os documentos indispensáveis à sua propositura, tais como: (…) b) na hipótese do comprovante de residência ser de terceiro, deverá ser apresentado declaração deste, afirmando ser também o domicílio do requerente, bem como cópia da identidade do declarante”. Dessa forma, durante a vigência da mencionada Portaria, em caso de comprovante de residência em nome de terceiro, era necessário que o requerente apresentasse uma declaração do proprietário do imóvel, afirmando ser também o domicílio do requerente.
“Nesse contexto, houve casos de tentativa de fraude na distribuição dos processos, objetivando o direcionamento artificial a Juizados Especiais que prolatariam, em tese, sentenças de indenização mais severas, utilizando-se comprovantes de endereço e declarações de terceiros adulterados, que não correspondiam ao verdadeiro domicílio da parte requerente”, informa a Corregedoria.
“Não se pode olvidar, ainda, que, ao longo dos anos e, notadamente, nos anos de 2020 e 2021, houve o acréscimo de distribuição de processos no âmbito dos Juizados Especiais, notadamente, em razão do surgimento de demandas em massa e predatórias – que são ações ajuizadas em grande número, através de petições padronizadas, artificiais e teor genérico, em nome de pessoas vulneráveis e que denotam, muitas vezes, o propósito de enriquecimento ilícito – de modo que é necessário que o Judiciário busque ferramentas a fim de evitar as fraudes processuais”, diz a nota da CGJECC.
Confira a portaria na íntegra.