O fraco desempenho das empresas privadas que realizaram a gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário na cidade de Manaus, durante as últimas duas décadas, expõe a incapacidade do mercado em corresponder às expectativas de eficiência e responsabilidade socioambiental.
Em Manaus, os grupos empresariais que assumiram a gestão dos serviços de água e esgoto têm oferecido à população serviços precários, promovendo os sentimentos de decepção e indignação. Esta reação popular é compreensível, na medida em que se nota que os elevados níveis de arrecadação do empreendimento, que chegam a R$ 1.676,74 bilhão de reais nos últimos 5 anos, são totalmente desproporcionais aos esforços de investimento no mesmo período, alcançando somente R$ 311,44 milhões de reais (SNIS 2017).
Este extraordinário retorno econômico mostra que a privatização do saneamento básico é uma eficiente estratégia de enriquecimento colocada em curso pelos empresários e investidores internacionais. Por outro lado, a satisfação da população em relação aos serviços alcança níveis significativamente baixos. Isso pode ser percebido no ranking de reclamações dos órgãos oficiais (Procon-Manaus e Comissão de Defesa do Consumidor da Aleam), que exibem a concessionaria responsável sempre entre os primeiros lugares, ou seja, entre as mais reclamadas da cidade.
A obsessão pelo lucro às custas dos bens públicos e do sofrimento da população constitui o principal motivo da volta dos serviços de água e esgoto para as mãos do estado (reestatização). No município de Itu/SP, depois de uma década de privatização (2007-2017), a prefeitura da cidade reassumiu os serviços de água e esgoto, uma vez que a concessionária privada Águas de Itu não cumpria com as metas estabelecidas em contrato.
Sob a gestão da concessionária privada, o saneamento básico do município paulista foi marcado pela falta de transparência na prestação dos serviços de água e esgoto, incluindo o aumento de tarifas, sucateamento de equipamentos e grave racionamento de água. Segundo a prefeitura, entre os motivos que levaram ao rompimento com a Águas de Itu destaca-se o descumprimento das obrigações de investimento fixadas no contrato, com consequente prejuízo à necessária ampliação de capacidade do sistema de abastecimento da cidade. Além disso, auditoria realizada na empresa revelou uma série de irregularidades, como a contratação indevida de empréstimos, inadimplência e captação de água em poços particulares.
Os serviços prestados pela concessionária foram precários desde o início da privatização, em 2007. Em 2013, a empresa foi multada pela prefeitura por não descumprir o cronograma de obras e também pela ausência de um plano preventivo para problemas operacionais. Em 2014, a população teve que enfrentar uma grave crise hídrica, amargando um racionamento de 10 meses, o que obrigou uma interferência do governo do Estado, que liberou verba para a empresa. Em 2015, a prefeitura realizou outra interferência na concessionária, afastando toda diretoria da empresa devido ao descumprimento de contratos.
A experiência amarga do município de Itu é mais uma clara demonstração da lógica capitalista que se faz presente na privatização do saneamento. Diante do descompromisso da empresa privada com a causa pública, a prefeitura inaugurou a CIS – Companhia Ituana de Saneamento, em 02 de fevereiro de 2017 para assumir a gestão do tratamento de Água e Esgoto do município. Assim, os serviços de saneamento voltaram para a gestão do poder público, buscando evitar os sucessivos descumprimentos de obrigações contratuais por parte da concessionária privada Águas de Itu.
A precariedade dos serviços de água e esgoto oferecidos na cidade de Manaus ao longo das últimas duas décadas também já apresentou suficientes motivos para se realizar a quebra do contrato de concessão, sendo, inclusive, recomendada em duas ocasiões pela Câmara Municipal do Município (CPI 2005 e CPI 2012), mas a prefeitura sempre ignorou tais pedidos. Ela preferiu ficar do lado da empresa e continuar insistindo na concessão privada, adotando uma atitude de conivência com a empresa e autoritarismo com a população.
Como resultado desta atitude, os índices oficiais (SNIS 2017) mostram que a cidade ainda possui um total de 228.889 pessoas sem o acesso à água potável e um montante de 1.869.202 pessoas excluídas dos serviços de coleta e tratamento de esgoto. Esta situação compromete irremediavelmente a saúde da população. O Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS 2017) revela que há a cada ano 1.899 internações e 34 óbitos causados por doenças de veiculação hídrica em Manaus.
O compromisso da prefeitura com a empresa é mais forte do que o seu compromisso com a população manauense. Se houvesse maior interesse pelo bem da cidade e pelo conjunto dos seus moradores os serviços de água e esgoto de Manaus, como ocorreu no município de Itu, já haviam sido reassumidos pelo poder público, promovendo uma maior transparência da gestão do saneamento, uma mais radical democratização da cidade e uma melhor qualidade dos serviços públicos.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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Em um momento ímpar, sinto me honrado em ler está matéria. Sou morador de Itu, e acompanhei de perto o sofrimento, o descaso e o usurpamento desdas empresas.
Infelizmente nada aqui fizeram, mas com a CIS, em pouco tempo é perceptível o avanço e a melhoria no saneamento básico de nossa querida Itú…
Samuel, de fato, a privatização não é a saída para a melhoria dos serviços públicos. Os empresários só pensam em lucrar às custas da população e depredando os recursos naturais..
Que jornalista mal informado e tendencioso. Em Itú as autoridades municipais primeiro foram sucateando o SAAE de propósito ao longo dos anos pra depois vir com a soluçao de privatizar o serviço. A empresa que venceu a licitação investiu dinheiro modernizando as ETAs que estavam sucateadas e investindo dinheiro pra melhorar o sistema, eu tenho um colega que trabalhou no tratamento de agua quando o serviço ainda era público e continuou la quando foi privatizado. A empresa que tinha assumido o SAAE melhorou e muito a eficiência das ETAs, alem de eliminar um monte de parasitas comissionados que só sugavam dinheiro publico sem trabalhar. Foi a prefeitura de Itú que agiu de má fé acionando na justiça a empresa sendo que esta fez tudo de acordo como contrato, no final das contas a prefeitura de Itu ganhou de volta o SAAE todo modernizado sem ter feito nenhum centavo de planejamento e investimento.
Isso é bem grave mesmo. Mostre aqui com dados reais essas inconformidades companheiro. Vamos tornar a informação mais verdadeira possível.
Caro Eliezer, parece que tem razão que a prefeitura sucateou o SAAE com o propósito de privatizar,. É isso mesmo que os governos fazem. É a velha tática de oferecer dificuldade para colher facilidade.
Mas, o problema de Itu não foi falta de eficiência das ETAs, mas sim, os parasitas privados que substituíram os parasitas comissionados.
Não tinha água para as ETAs tratarem, faltou investimento em mananciais (reservação, represamento de rios, perfuração de poços, por exemplo), bem como, a redução das perdas. Tudo isso, custa dinheiro e o retorno é de longo prazo. Por isso, o setor privado só faz se for com recursos públicos!