MANAUS – A revolta da população contra a concessionária Águas de Manaus traz à tona o permanente conflito pelo controle dos recursos hídricos na capital amazonense e na Amazônia. Veiculada nas redes sociais na última segunda-feira, a manifestação pública no bairro Tarumã motivada pela falta de água potável torna visível uma problemática que tende a aparecer com mais frequência neste período de seca. Indignados, os moradores da comunidade Portal da Cacheira atearam fogo em pedaços de madeira e pneus como forma de chamar atenção pela falta de água no local que já dura 20 dias.
Outros bairros da cidade também mostram o cenário conflitivo através de reclamações formais e denúncias projetadas pela imprensa. Na última terça-feira, mais de 30 bairros ficaram sem água em decorrência do vazamento de uma rede de água na Avenida Presidente Dutra, no bairro Santo Antônio, zona sul da cidade. Nessa quinta-feira, outras localidades da cidade também recorreram aos meios de comunicações para denunciar a empresa, que representa o poderoso grupo empresarial Aegea Saneamento, titular da concessão iniciada em julho do ano 2000.
As reclamações não são casos isolados. No dia 04 de julho de 2024, o Fórum das Águas do Amazonas realizou uma manifestação pública em frente à sede da concessionária, mostrando para a população as falhas corriqueiras da privatização dos sistemas de água e esgoto da cidade de Manaus ao longo dos últimos 24 anos. Apesar dos esforços da empresa em esconder esta situação através de propagandas bem pagas, não há como impedir a revolta dos moradores, que sofrem sem água potável e sem o tratamento de esgoto.
Cuidadosamente abafados pelo lobby empresarial, os conflitos emergem revelando a precariedade dos serviços e a luta pelo controle dos recursos hídricos no território. Milhares de casos judicializados, inúmeras reclamações registradas nos órgãos de defesa dos consumidores, incontáveis protestos indignados da população e as constatações da Câmara Municipal dos Vereadores em três Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPI 2005, CPI 2012 e CPI 2023) não deixam dúvidas sobre o fato de que ocorre uma guerra pela água em Manaus.
A luta é por Justiça ambiental, uma vez que as populações mais pobres são prejudicadas frente à apropriação privada de um bem comum e essencial para a vida. De um lado, encontramos as comunidades, principalmente as periferias, recebendo serviços precários – ou sobrevivendo sem eles – impedidas do acesso a um direito básico e essencial. Com a privatização, estas populações perderam o controle deste recurso vital, sendo obrigadas a se submeterem aos ditames empresariais. Do outro lado, temos a empresa privada no controle dos serviços de água e esgoto, disponibilizando estes direitos mediante a cobrança de pesadas tarifas impostas aos consumidores manauenses.
A luta pelo controle da água na Amazônia também ocorre pela implantação de grandes empreendimentos como usinas hidrelétricas, barragens e estações portuárias em prol de atividades altamente lucrativas como a extração mineral, o agronegócio e o fornecimento de energia elétrica para regiões distantes.
Subsidiados pelo Estado e por empresas privados, tais empreendimentos potencializam os mercados capitalistas, mas também promovem fortes alterações do território e grandes impactos na vida das comunidades, causando o deslocamento forçado, a eliminação de culturas e modos de vidas, a degradação social e a destruição ambiental.
O poderio das grandes empresas sufoca as comunidades, deixando poucas alternativas de atuação e controle sobre as águas. O instinto de sobrevivência, alimentado por inspirações ancestrais, levam tais comunidades resistirem por séculos, buscando fortalecer as suas tradições a partir da reafirmação de laços comunitários e outras alianças. A violência dessa guerra é por vezes evidenciada em desastres como a “tragédia de Barcarena”, a poluição dos rios amazônicos, a seca do Amazonas e a falta de água potável na maior bacia hidrográfica do planeta.
A virulência da estiagem no Amazonas é reforçada pela guerra da água que torna a manutenção da vida um desafio de grandes dimensões, dificultando ainda mais o acesso das populações mais pobres à água potável. Diante desta tragédia, a lógica comercial que transforma a água em privilégio de poucos poderá ser reforçada ou dará lugar a dinâmicas diferenciadas que abrem espaço para a universalização desse direito.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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