EDITORIAL
MANAUS – Quando você pensa que já viu de tudo na política, sempre surge uma novidade para surpresa dos eleitores. Neste fim de semana, o ATUAL informou sobre uma representação do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção ao procurador-geral de Justiça do Amazonas contra deputados que distribuíram cestas básicas com fotos e nomes deles próprios impressos nas embalagens.
A que ponto chega a “cara de pau” desses senhores e senhoras eleitos para representar o povo do Amazonas?
O dinheiro usado para a compra das cestas básicas é verba pública estadual, destinada a este fim através de emendas parlamentares no orçamento do Estado do Amazonas. O dinheiro não é dos deputados, é do contribuinte. Mas eles se acharam no direito de imprimir seus nomes e fotos nos pacotes, como se estivessem distribuindo presentes à população.
As emendas parlamentares sempre foram uma anomalia do regramento político no Brasil, e a cada legislatura vai se moldando como um escândalo nacional. É bem recente a invenção das chamadas emendas impositivas, em que o Poder Executivo é obrigado a destinar o recurso definido como emenda pelos parlamentares nos orçamentos públicos.
Pela origem, a emenda deveria ser um elemento anônimo no orçamento. O governante (presidente da República, governador de Estado ou prefeito municipal) envia a proposta de orçamento anual para o Poder Legislativo, como determina a Constituição, e os parlamentares avaliam e “emendam” a proposta se assim acharem mais adequado.
O problema é que as emendas passaram a ser usadas como moeda de troca eleitoral. Os parlamentares apresentavam as propostas de emendas ao orçamento para depois, quando o dinheiro era liberado ou a obra realizada, eles se apresentarem como autores do feito.
Com isso, senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores no exercício do cargo passaram a levar vantagem sobre outros que desejam disputar as cadeiras nos parlamentos a cada quatro anos.
Como nem todos os governantes conseguiam – ou por decisão próprio ou por priorizar aquilo que era mais urgente – cumprir as emendas, os parlamentares de Brasília criaram as tais emendas impositivas, que depois foram estendidas a estados e municípios.
No Amazonas, no entanto, os deputados foram além. Em 2019, na atual legislatura da Assembleia Legislativa, criaram a Associação de Deputados e Ex-deputados do Amazonas. Neste ano, a concederam a categoria de entidade de utilidade pública, porque só assim ela conseguiria receber dinheiro público.
Duas semanas depois de passar a ser de “utilidade pública”, o Governo do Amazonas depositou R$ 2.882.624,00 das emendas parlamentares para compra e distribuição de cestas básicas às famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social causada pela pandemia da Covid-19.
O problema é que as cestas básicas levaram, além do alimento, a propaganda dos autores das emendas parlamentares. Alguns chegaram à ousadia de imprimir fotos, certamente na intenção de que o eleitor não se esqueça de suas caras desavergonhadas nas eleições de 2022.
Mas há outro problema no artifício usado pelos deputados para autopromoção: a compra das cestas básicas pela tal Associação de Deputados e Ex-deputados.
Apesar de constituída, com CNPJ e o escambau, a entidade é os próprios deputados, representa eles mesmos, e o dinheiro recebido é do Tesouro Estadual.
As compras das cestas básicas teriam que ser feitas a partir de um processo de licitação, por se tratar de dinheiro de emendas ao orçamento do Estado, portanto, dinheiro público do orçamento estadual.
Há inclusive que se verificar a legalidade da transferência do dinheiro para uma associação claramente criada para um propósito pouco republicano.
Diante de atos e fatos repugnantes como estes, chagamos a conclusão de que “cara de pau” tem limites, mas não para os deputados do Amazonas.
Kkkkkkkkkk