Não será por via de fórmulas mágicas ou receitas repressivas que evitaremos a expansão de presídios, da superpopulação carcerária, da epidemia de violência, de criminalidade e da necessidade de ressocialização, mas sobretudo por meio de processos e programas de socialização responsáveis, capazes de formar pessoas para conviver de forma livre e digna em sociedade.
A avalanche de crime, o crescente aumento do efetivo de policiais, de delegacias e de unidades prisionais, além da efusão da massa penitenciária, são sintomas de que temos falhado, e até mesmo desaprendido, a socializar indivíduos para o convívio social livre, justo e solidário numa cultura que promova a dignidade humana.
Nossos fracassos quanto a construir um mundo melhor são retumbantes. Nossas escolas, famílias e igrejas estão em crise quando o assunto é formar pessoas para o respeitoso e ético convívio social livre. Temos perdido feio, em que pesem nossos esforços e reiteradas iniciativas voluntárias ou estatais ou comunitárias, quando se trata de socializar os indivíduos para a liberdade, a justiça e a paz.
Devemos lembrar das palavras de Darcy Ribeiro, mas não podemos cair na tentação de que nos sirva de consolo ou de desculpa pra desistir:
“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autononamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”
Também não posso ter a certeza de Cecília Meireles de que, tal como na natureza, a primavera estará assegurada no horizonte das sociedades dos homens. Cecília proclamou uma verdade para o reino físico:
“A primavera chegará, mesmo que ninguém saiba seu nome, nem acredite no calendário nem possua jardim para recebê-la.”
Trabalhamos para que essa primavera que tarda aconteça na vida das sociedades humanas, mas ainda nos falta acertar os caminhos de certeza dela.
Até quando ficaremos apenas assistindo, como se nada tivéssemos a ver, o alastramento da cultura do viciamento, da violência e da criminalidade?
É pública e notória uma das conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da OMS (2002) de que “Quanto mais cedo se atuar na vida de um indivíduo, evitando o desenvolvimento de condutas violentas, mais efetiva será a ação preventiva.” Essa é, na realidade, a maneira mais eficaz de evitar a necessidade de ressocialização: socializar para a liberdade, a justiça e a solidariedade. Condições essenciais para se internalizar e desenvolver a noção de dignidade humana.
Tratar dos problemas de insegurança e de criminalidade apenas com a velha fórmula repressiva “poder-polícia-presídio” já vem dando errado há tempos, colhendo fracasso sobre fracasso. É insistir no erro de abordagem da questão da cultura do vício, da violência e da criminalidade que tem produzido sistematicamente o aumento de vítimas, da criminalidade, de efetivo de policiais, de encarceramentos e de penitenciárias. Reiterar, de modo exclusivo, o modelo “poder-polícia-prisão” não é tão somente agir de forma limitada, parcial e ineficaz, mas é também uma intervenção viciante e que agrava ainda mais o quadro de insegurança pública. É como tentar resolver o problema do vazamento só enxugando o chão. Uma forma míope de diagnosticar, abordar, tratar e agir frente ao complexo problema da vida em sociedade.
É imprescindível focar diretamente em processos e programas de socialização de indivíduos, de famílias, de grupos ou coletividades para se vislumbrar possibilidades de superação de graves questões de insegurança pública, inclusive em todos os segmentos sociais, principalmente naqueles de maior vulnerabilidade social e ambientados numa cultura de viciamento e de crimes.
Socializar para a liberdade é a melhor oportunidade para o convívio digno, justo e solidário, como também a maneira mais eficaz de evitar os diversos problemas e os vultosos encargos e gastos, que se desdobram, numa sociedade que tem de arcar sistemicamente com os custos da ressocialização de massas de indivíduos e de grupos, principalmente daqueles encarcerados.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.