Por Valmir Lima*
MANAUS – A escola de frente para o rio, na comunidade Lindo Amanhecer, está desativada, quase em ruínas. A madeira apodrecida denuncia as condições inadequadas para acomodar as crianças de cerca de 30 famílias que moram no local, uma vila na região do Rio Negro, município de Manaus. Subindo um barranco com leve aclive, chega-se a outro prédio, com três salas, um espaço para as refeições, cozinha e diretoria. Só duas salas funcionam. A terceira está ocupada com computadores velhos e instrumentos musicais.
Na chagada a equipe do vereador Waldemir José (PT), que convidou o AMAZONAS ATUAL para a visita, encontrou uma equipe da Secretaria Municipal de Educação, coordenada por Priscila Almeida, do Departamento de Planejamento da Semed. Junto com ela, havia técnicos, um engenheiro e a assessora jurídica Antônia Afonso. A visita oficial da Semed foi motivada por uma representação ao Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), feita pelo presidente da Associação Comunitária do Lindo Amanhecer, Eraldo Silva Vieira.
Na representação, feita em janeiro deste ano, ele pedia socorro para a situação da escola: cinco meses sem energia elétrica (o gerador estava pifado); falta de professores para começar o ano letivo; falta de água potável (promessa não cumprida de um poço artesiano) e a construção de uma nova escola, prometida há dois anos, e que ainda não saiu do papel.
A escola que as crianças ocupam este ano, de madeira e piso de alvenaria, foi construída por uma organização não governamental ligada à Igreja Assembleia de Deus. Mas a própria representante da Semed reconhece que é inadequada, está fora dos padrões exigidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. “A escola padrão será construída este ano, está na programação da Semed, só não sabemos a data que a obra será iniciada”, disse Priscila Almeida.
O gerador foi consertado e a comunidade voltou a ter energia naquele dia, sexta-feira, 20. O poço artesiano só será construído junto com a escola nova. E o professor será providenciado nos próximos dias, segundo a representante da Semed. “O problema é que a professora que dava aula nessa escola entrou de licença médica”.
Ensino multisseriado
Mas a falta de professores não é o único problema nessas comunidades. Nas três visitadas pela equipe do vereador os alunos de até três séries distintas se misturam na mesma sala de aula e são orientados por um único professor ou professora. É o que no Brasil se convencionou chamar de ensino multisseriado, um paliativo adotado pelo Ministério da Educação como alternativa para áreas onde existe carência de professores.
O professor Claudenor Osório de Carvalho explica que na Escola Municipal Figueiredo Pimentel, onde ele leciona, na comunidade Lindo Amanhecer, são apenas dois professores para seis séries. Ele dá aulas para a educação infantil, 4° e 5° anos. As duas turmas de 4° e 5° se misturam no turno da tarde. “A gente divide o quadro ao meio e para cada série passa o conteúdo de um lado. As vezes, peço para os alunos das turmas mais adiantadas ajudarem os que têm dificuldades”.
Na Escola Municipal Bom Jesus, comunidade Nova Jerusalém, também na região do Rio Negro, a professora Ivanete Pereira de Souza precisa se virar para ministrar aulas a três turmas do ensino fundamental, no turno da tarde. Ela usa um método semelhante ao do professor Claudenor, a diferença é que o quadro precisa ser dividido em três para a aplicação de conteúdo. No momento da visita, ele fazia uma atividade com material didático para o ensino da matemática, com todos os alunos. Questionada se o método multisseriado prejudica o ensino, ela responde: “Seria melhor se fosse só uma série”.
Na Comunidade Monte Sinai, a Escola Municipal Santo Antônio, construída na gestão do ex-prefeito Alfredo Nascimento, tem uma estrutura melhor que as primeiras, mas com apenas duas salas de aula e uma delas ocupada com o telecentro (sala de computadores com internet), a professora das turmas de 6° e 7° ano é obrigada a dar aulas no refeitório, com uma turma em cada mesa. Ela atende a uma turma enquanto a outra aguarda.
A diretora disse que há uma promessa de construir mais salas de aula, mas a espera já dura dois anos. O telecentro também estava parado no dia da visita, fazia 15 dias. Um problema elétrico danificou o equipamento e deixou a comunidade sem comunicação. Em outra sala, a professora lida com mais ou menos 35 alunos de duas séries também de 6° e 7° anos.
Salas inadequadas
Na escola Bom Jesus, os professores também perderam uma sala para o telecentro, que funciona com internet, mas o ar condicionado está em uma caixa, há dois anos, à espera de um técnico para instalá-lo. “Quando o dia é muito quente, é muito difícil trabalhar aqui”, afirma o professor Sebastião Pacheco. “Já prometeram várias vezes enviar um técnico, mas até agora, não vieram instalar o ar-condicionado”, completa.
Com uma sala a menos, o professor Ian Toledo Lemos dá aulas em um puxadinho conjugado à escola, feito em madeira e coberto com telhas, mas sem paredes. “A gente se livra um pouco do calor [a sala não tem ventilador], mas o problema é quanto chove forte e com vento. Sou obrigado a suspender a aula”, diz o professor.
Merenda escolar
A escola Bom Jesus tem 183 alunos, divididos em três turnos. A Santo Antônio, tem 112, também em três turnos. E a escola Figueredo Pimentel tem 80 alunos, mas funciona em dois turnos, da educação infantil ao 5° ano. Em todas elas, apenas de uma coisa não houve reclamação: a merenda escolar. O alimento está chegando e os alunos do turno da manhã almoçam antes de sair enquanto os da tarde se alimentam antes da aula.
O material didático e fardamento ainda não chegaram para este ano letivo, que começou na semana passada nas escolas rurais.
Problema do transporte
O transporte escolar também foi uma preocupação relatada por pais de alunos. A dona de casa Miriam Sobreira da Costa, que tem dois filhos na escola Figueiredo Pimentel, afirma que é um risco, principalmente para as crianças mais novas. “Como não tem um monitor no barco, as crianças de 4 e 5 anos vão lá atrás, sem ninguém que olhe por elas. Já aconteceu de o condutor parar a lancha no meio do rio para apartar briga de crianças”, disse.
O transporte escolar fica escasso à noite, porque os condutores, contratados por uma empresa terceirizada, recebem para trabalhar em dois turnos. O problema é que as escolas não oferecem todas as séries em todas as comunidades. “Aqui na comunidade Lindo Amanhecer tem muita criança que faz do 6° ao 9° ano na comunidade Nova Jerusalém, à noite. E quando não tem o transporte escolar, elas vão de canoa, com um motorzinho rabeta, mas é perigoso para uma criança fazer isso”, reclama o agricultor Isaac Batista de Souza.
Na escola Santo Antônio, a diretora é quem faz a função de monitor, e vai buscar e deixar as crianças com o condutor da lancha. “Se acontecer alguma coisa com um aluno, os pais vem em cima de mim”, justifica.
Depois do 9° ano, os alunos não têm opção de estudo. Ou vêm para Manaus ou para de estudar. A maioria escolhe a segunda opção. “Não dá às vezes para mandar os filhos para Manaus para viver na casa de parentes ou desconhecidos”, afirma Miriam, que cobra das autoridades municipais o ensino médio nas comunidades rurais.
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*O jornalista viajou às comunidades rurais de Manaus a convite do vereador Waldemir José (PT)