O Dia Internacional de Combate à Corrupção deste ano, celebrado nesta sexta-feira, 9, chega após uma sequência de fatos que coloca em xeque o compromisso da Justiça do Amazonas com esta bandeira, levantada por membros do Judiciário nas ruas de Manaus no último domingo. A omissão, os aplausos à pompa da nomeação de mais um desembargador e a cegueira para os gargalos de um do piores Estados em combate à corrupção no País fazem com que a hipocrisia seja associada a atos como o de domingo.
No domingo, os membros do Judiciário reclamaram de ataque à classe como forma de podar o combate à corrupção no País. Por ironia, o ato ocorreu na mesma semana em que o TJAM nomeou seu 20° desembargador e no mês em que a Justiça do Amazonas é destaque nacional, mais uma vez, por estar entre as piores no cumprimento da Meta 4 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O motivo: acúmulo de processos no primeiro grau.
A Meta 4 estabelece prioridades no julgamento dos processos relativos à corrupção, distribuídos e não julgados até dezembro de 2013. Em 2016, nos processos de improbidade, o TJAM cumpriu 39,68% da meta. Nos de crime contra à administração pública, o alcance da meta foi cumprida 42,57%. Isso significa dizer que o TJAM só conseguiu julgar 42,08% dos processos envolvendo corrupção no período de referência. Associados aos maus desempenhos de anos anteriores, os números sinalizam o grau de indignação da Justiça do Amazonas com a corrupção muito mais que a fala alta num microfone em poucas horas de sol na moleira.
As informações estão disponíveis no CNJ ao alcance de qualquer pessoa, inclusive dos membros do Judiciário que se indignam com a corrupção, e foram atualizadas até o dia 3 de novembro. Alguns dados podem ser alterados em dezembro, mas a tendência é que a Justiça do Amazonas amargue em 2016 um dos piores desempenho no combate à corrupção no Brasil.
Comparada com o desempenho de outros tribunais estaduais, a Justiça estadual do Amazonas é a pior na região Norte e está entre as quatro piores do País na atenção a processos desta natureza. Há um passivo de 1.273 processos não julgados envolvendo crimes relacionados à corrupção. Sendo que 95% estão no primeiro grau.
A ordem dos acontecimentos (manifestação de juízes, dados do CNJ e nomeação de primeiro de sete desembargadores) chega a soar como provocação à nossa capacidade de raciocinar e de sonhar sem ilusão com uma sociedade menos corrupta.
Isso porque o combate à corrupção passa necessariamente pelo julgamento dos processos. E julgar é possível. Gostem ou não, Sérgio Moro é um exemplo de que julgar com celeridade no primeiro grau processos desta natureza não é coisa de outro mundo, quando há estrutura ou vontade política para isso.
Mas como julgar se falta – e muito – juízes no primeiro grau? Há dois meses, como ocorre há vários pleitos, as eleições municipais só foram possíveis no interior do Amazonas porque juízes da capital foram deslocados para ocupar cerca de um terço das comarcas que estão vagas.
E esse problema, escancarado pelo Judiciário a cada luta por aumento orçamentário, é silenciado quando, diante de uma crise financeira, o TJAM anuncia que nomeou o 20° desembargador – “o primeiro de sete”, como destaca texto no site da instituição.
Não é certo que o Judiciário seja algemado por legislações nacionais costuradas sob o interesse de quem quer se proteger de investigação. Mas não é inteligente e nem honesto ignorar o quanto o Judiciário no Amazonas cria e mantém uma agenda negativa para si próprio quando demonstra priorizar pautas de melhorias internas e cuidado onde o interesse da população passou longe.
Enquanto o enfrentamento honesto, direto e efetivo destes problemas não ocorrer, qualquer declaração de lideranças, atos e eventos com a tradicional pompa da classe soará como hipocrisia e distanciamento da realidade da população do Estado.
O soar vira grito especialmente num momento histórico do País em que de todos os lados há clamor por combate à corrupção ou quando os próprios membros do Judiciário vão às ruas experimentar um dia de manifestação e indignação contra a corrupção.
Se o Judiciário está exposto, é porque não tem coragem para corrigir seus problemas e nem disposição para uma autoavaliação. Ainda assim quer blindagem de controle externo.