Um dos projetos mais polêmicos em tramitação no Congresso Nacional é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que propõe a redução da idade penal de 18 anos para 16 anos no Brasil. A proposta já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados no dia 31 de março e agora será apreciada em uma comissão especial, com várias sessões e audiências, e votações em plenário.
A proposta foi patrocinada pela Frente Parlamentar de Segurança Pública, conhecida como a “bancada da bala”, recebeu o apoio de PSDB, DEM, Partido Solidariedade e da maior parte dos parlamentares do PMDB. Contra a redução se posicionaram PT, PCdoB e Pros, da base governista, e, PSB e PPS pela a oposição. A maioria da bancada federal do Amazonas, conforme divulgado pela imprensa, infelizmente é a favor da redução da idade penal.
Da minha parte tenho posição contrária à redução da idade penal. Não acredito que a violência será reduzida com o encarceramento de adolescentes e jovens no País.
Algumas pessoas dizem que os adolescentes não respondem por seus atos perante a sociedade e a Justiça, e que são impunes. Porém, a legislação atual, o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8.069/90) define as sanções, obrigações de reparar os danos, medidas socioeducativas, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação, com restrição e privação de liberdade, muito semelhantes ao que é aplicado aos adultos que cometem crimes.
O que é evidente é que muitas das medidas não são aplicadas por parte da estrutura do Estado. Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para a sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. Tem situações que o adolescente pode ficar até nove anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.
Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre.
O Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado. A reincidência nas prisões é 70%. A reincidência de adolescentes que estão no sistema socioeducativo é de menos de 30%. Segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Amazonas (Sejus), em 2014 menos de 2% dos adolescentes infratores eram reincidentes.
Assim, enviar os adolescentes para o sistema prisional, do jeito que está hoje, não vai resolver o problema da violência na sociedade.
No Amazonas, 1.272 adolescentes infratores seriam considerados criminosos e iriam para o presídio, segundo a Sejus, e iriam se somar aos 9.280 presos do sistema carcerário, extremamente lotado. Quase 50% dos presos, nem julgados foram, são presos provisórios, esperando decisão da Justiça.
Os adolescentes são responsáveis por menos de 10% das infrações registradas, sendo que quase 74% referem-se a infrações contra o patrimônio (50% meros furtos sem violência). Apenas 8,4% das infrações dos adolescentes são contra a vida, que equivale a 1% das infrações violentas no País, atesta estudo do promotor Murillo Digiácomo, do Paraná.
As leis não podem se pautar na exceção, considerando o percentual muito pequeno de adolescentes envolvidos nos crimes mais hediondos. A redução da idade penal é tratar do efeito e não da causa. Quando se vai verificar a história do adolescente infrator, encontramos uma história de injustiças sociais e pobreza, de direitos básicos negados no essencial de muitas crianças e famílias. E nesse sentido, é voz corrente que “educar é melhor e mais eficiente que punir”. As causas da violência e desigualdades sociais não se resolverão com adoção de medidas penais mais severas.
Os números mostram que os adolescentes são as maiores vítimas, e não os principais autores da violência. O extermínio de jovens é evidente. De 1981 a 2010, mais de 176 mil crianças e adolescentes foram mortos no Brasil. Em 2010 foram em média 24 por dia. O crime organizado, o tráfico de drogas recruta muitos adolescentes e sob ameaça os envolve nas infrações e atos de violência. Uma prisão do qual muitos somente saem com a morte.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em nota publicada no dia 24 de abril último, diz que “investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio mais eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência”.
E sobre o cumprimento do ECA, que este ano completa 25 anos, a CNBB enfatiza que o mesmo já responsabiliza o adolescente a partir dos 12 anos, não procedendo a alegação de impunidade para adolescentes infratores. E diz mais: “Ao invés de aprovarem a redução a maioridade penal, os parlamentares deveriam criar mecanismos que responsabilizem os gestores por não aparelharem seu governo para a correta aplicação das medidas socioeducativas”.
Assim, lembramos o artigo 4º do ECA que diz ser dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, assegurar com absoluta prioridade, os direitos das crianças e adolescentes. É papel de todos e todas.
Isso é lutar pela vida e por um futuro melhor para nossos adolescentes. Não a redução da idade penal
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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