Por Reinaldo José Lopes, da Folhapress
SÃO CARLOS – O vírus da dengue parece ser capaz de manipular o comportamento do mosquito Aedes aegypti, fazendo com que o inseto transmita o causador da doença de maneira mais eficiente.
Os pernilongos que carregam o vírus são, ao mesmo tempo, mais ávidos na busca de animais cujo sangue possam sugar e menos habilidosos quando tentam acessar esse sangue, o que exige mais contato com a pele da vítima por parte deles. Esses dois fatores podem até triplicar a probabilidade de transmissão da dengue entre as pessoas, afirma a equipe internacional de cientistas que detectou o fenômeno.
Coordenado por Julien Pompon, do IRD (Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento), na França, o trabalho acaba de ser publicado no periódico científico americano PNAS.
“Os dados ressaltam a importância do comportamento dos mosquitos na transmissão da doença. Qualquer vírus que não seja capaz de modificar esse comportamento provavelmente não vai conseguir ser transmitido ou emergir [ou seja, passar a infectar seres humanos]”, disse Pompon à reportagem.
De fato, exemplos de alterações comportamentais induzidas pela presença de micróbios ou parasitas (como vermes) no organismo de seus hospedeiros têm sido descobertos com cada vez mais frequência pelos cientistas. No caso do vírus da dengue, porém, os dados a esse respeito ainda eram contraditórios.
Pompon e seus colegas tentaram esclarecer o que estava acontecendo usando câmeras de alta resolução, calibradas para captar todos os passos de uma picada do Aedes aegypti no ambiente controlado do laboratório. Para isso, eles usaram uma pequena caixa de acrílico na qual os mosquitos eram colocados.
No topo da caixa havia uma tela de malha fina, através da qual os insetos conseguiam inserir sua probóscide –a projeção bucal que os bichos usam para penetrar a pele e chupar o sangue de suas vítimas. Em cima da tela, por fim, ficava deitado um camundongo anestesiado. O roedor, depois das picadas, era examinado em busca de sinais da transmissão do vírus da dengue (isso no caso das caixas onde havia mosquitos contaminados pelos pesquisadores; havia também os insetos do grupo controle, sem infecção viral).
Após filmar e analisar o comportamento de mais de 50 dos Aedes aegypti em cada um dos grupos, ao longo de períodos que duravam 30 minutos para cada mosquito, os cientistas notaram, em primeiro lugar, que os insetos infectados com o vírus se aproximavam dos camundongos mais rapidamente e com mais frequência do que os não infectados.
Provavelmente o ponto mais importante, porém, é o fato de que os mosquitos com o vírus demoravam mais para conseguir sugar sangue e davam muitas picadas malsucedidas –ou seja, sem chegar a se alimentar desse sangue. Acontece que é exatamente isso o que o causador da dengue “quer” que os bichos façam.
Isso porque, em geral, o vírus sai da saliva dos mosquitos e infecta inicialmente as células da pele da vítima. Ou seja, a saliva dos insetos não precisa entrar em contato com a corrente sanguínea para que a pessoa pegue a doença. Aliás, quanto mais vezes a probóscide dos mosquitos entrar apenas um pouquinho na pele, sem chegar ao sangue, melhor para a eficiência da transmissão.
Os cientistas também confirmaram isso de maneira experimental. Deixavam que os insetos picassem os camundongos por apenas 20 segundos (tempo que normalmente não é suficiente para que os bichos consigam se alimentar de sangue) e depois espantavam os mosquitos. Resultado: todos os Aedes conseguiram transmitir o vírus da dengue para células da pele, mesmo com picadas “incompletas”.
Segundo o pesquisador francês, é possível que o vírus esteja alterando o funcionamento do cérebro do mosquito “ou os tecidos olfativos, que guiam o aparato bucal do inseto e o voo quando ele procura suas vítimas”. Analisar os genes ativados e desativados nas células do sistema nervoso do mosquito pode trazer mais pistas sobre o que está acontecendo e talvez até inspirar a criação de substâncias capazes de bloquear a ação do vírus no Aedes.