Por Vívian Oliveira, da Redação
MANAUS – A violência política, que ocorre com mais frequência neste ano de eleição, é, no âmbito do Estado Democrático de Direito, “manipulação eleitoral” e “arma” da direita para se manter no poder. Em relação aos direitos humanos, é um retrocesso e crime.
A avaliação é das cientistas políticas Liege Albuquerque e Paula Ramos, para quem esse tipo de violência não faz sentido em um sistema democrático como o Brasil.
A violência política no Brasil ganhou destaque nos últimos anos, e deu um salto neste ano de 2022, com a proximidade do processo eleitoral, de acordo com o Observatório da Violência Política e Eleitoral, publicação realizada pelo Grupo de Investigação Eleitoral da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
“É lamentável que essa violência esteja acontecendo, pois não faz sentido num mundo civilizado só pelo fato de um indivíduo não acreditar no candidato A ou B”, diz Liege Albuquerque. “É uma forma imatura de não aceitar as diferenças”.
Segundo Liege Albuquerque, mestre em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), no campo dos direitos humanos, ser violento com minorias é um retrocesso e deve ser combatido também nas urnas.
Liege Albuquerque diz que a grande briga no século 21 é a tentativa da extrema direita de se manter no poder, e esse grupo social não se dá bem com as minorias (mulheres, negros e LGBTQIA+). Segundo ela, ao tentar excluir as minorias, muitas vezes se recorre à violência verbal ou física.
A cientista política diz que na hierarquia máxima da direita do Brasil, representada pelo presidente Jair Bolsonaro, fica demonstrada toda a falta de boa vontade para com as minorias, o que fortalece o discurso dos grupos extremistas.
Para Paula Ramos, cientista social e mestre em Sociologia Política pela Ufam (Universidade Fedderal do Amazonas), a violência política no processo eleitoral representa risco para a democracia no Brasil.
“Quando a sociedade, por algum motivo, começa a desacreditar, seja por medo ou por coação, nos institutos políticos, a qualidade da democracia fica comprometida. Isso fere o direito à liberdade da escolha política, um dos principais poderes do cidadão. É uma forma de manipulação eleitoral”, afirma.
Casos reais
Pesquisa do Observatório da Violência Política e Eleitoral mostra que o segundo trimestre de 2022 foi mais violento comparado ao mesmo período em 2020 e 2021. Foram registrados 101 casos de violência por motivações políticas.
Os dados foram coletados em 23 estados. Na região Norte foram nove ocorrências. O Amazonas lidera com 4 casos, seguido de Rondônia e Tocantins com dois casos cada, e o Pará com apenas um.
A ex-senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), candidata a deputada federal, relatou em entrevista ao programa ‘O A da Questão’, do AMAZONAS ATUAL, que foi vítima de violência política em Manaus em abril.
Segundo ela, um grupo de seis pessoas a atacou durante uma caminhada nas ruas da Compensa, bairro da zona oeste da capital, com pedras e ovos. Um homem abaixou as calças no meio da rua.
“Se nossa equipe não estivesse filmando, ninguém acreditaria na história. O homem baixou as calças e mostrou a bunda, no meio da rua, depois de atirar pedras e ovos contra nós”, disse Grazziotin.
Em 2015, também por motivações políticas, quando Vanessa Grazziotin era senadora, foi agredida verbal e fisicamente dentro de um avião por um advogado. Ele começou a protestar porque ela defendia a então presidente Dilma Rousseff, que sofria processo de impeachment, e chegou a agredir a senadora quando ela começou a filmá-lo.
Paula Ramos diz que casos de violência política na eleição são observados desde 2020. “E quem é que vai lucrar com esses episódios de violência? Certamente vai ser visto em algum tipo de resultado nas urnas”, avalia.
Segurança máxima
A violência política também preocupa as autoridades, que já começaram a adotar medidas para coibi-la nas eleições deste ano.
Para proteger a urna e o direito do eleitor de votar, o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas pedirá reforço de tropas militares na eleição.
“O TRE já intimou os órgãos de segurança para uma reunião, a fim de sabermos a dimensão exata das necessidades dos locais onde será necessária a força pública e armada, além da força federal que também serão solicitadas, como acontece em todas as eleições”, disse o presidente do TRE-AM, desembargador Jorge Lins.
Lins disse que avalia com muita preocupação os casos de violência política. “Como todo cidadão, acompanho com muita apreensão. Mas nada está sendo deixado de lado. Estamos preparados para lidarmos com esse tipo de conduta e aplicarmos a lei aos casos que se mostrarem necessários”.
Violência e morte
O caso mais dramático é o do guarda municipal Marcelo Arruda, de 50 anos, militante do PT morto a tiros na festa de aniversário pelo bolsonarista Jorge Garanho, em Foz do Iguaçu (PR). O crime ocorreu no dia 10 de julho. Arruda comemorava aniversário, que tinha como tema o PT e Lula.
Por estar sendo realizada em uma associação da qual Jorge Garanho era diretor, ele foi ao local armado, e chegou gritando: “Aqui é Bolsonaro!”. Depois de uma discussão com o aniversariante, ele foi em casa deixar a mulher e a filha e voltou para matar Marcelo Arruda.
Na última segunda-feira (1), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre Moraes decretou a prisão preventiva (sem tempo determinado) de Ivan Rejane Fonte Boa Pinto, que defende ataques armados a políticos de esquerda, como o ex-presidente Lula (PT) e a ministros da corte suprema.
Ele estava preso no dia 22 de julho por divulgar vídeos repletos de xingamentos e palavras de baixo calão contra o STF e contra o candidato do PT a presidente da República. Além dos xingamentos, Ivan Pinto fez ameaças de morte a juízes e desembargadores e defendeu a invasão do STF e pendurar seus membros de cabeça para baixo.
A política como proposta de debate
Carlos Santiago, sociólogo, advogado e presidente da comissão de reforma política da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), avalia que as eleições devem focar em propostas e nos compromissos dos governantes.
“Hoje, o país está em estado de emergência por conta da inflação, do desemprego e da fome. Os candidatos e seus seguidores deveriam se preocupar muito mais em programas e nos interesses da população do que em conflitos emocionais desnecessários e violentos que não contribuem em nada e só aumenta o ódio, o preconceito a intolerância.”
Para o arcebispo Leonardo Steiner, da Arquidiocese de Manaus, é necessário resgatar o sentido da política como oportunidade para dialogar, escutar e refletir.
“A violência se dá em palavras e em gestos. E, como igreja e sociedade, precisamos superar esse momento, pois a política é fundamental para a democracia. Alguns até falam em refundação, o que não é possível. Mas dá para perceber onde estão as questões essenciais e ajudarmos a retomar o encantamento pela política.”
(Colaborou Vívian Oliveira)