Por Teófilo Benarrós de Mesquita, da Redação
MANAUS – Um vídeo com dois minutos de duração circula nas redes sociais com a promessa de revelar a verdade sobre a falta de oxigênio em Manaus em janeiro de 2021, mas deturpa os fatos. Os personagens falam, genericamente, sobre o colapso na rede pública de saúde, mas não apresentam dados que se contraponham a realidade amplamente divulgada pelos meios de comunicação no período mais crítico da pandemia de Covid-19 na capital amazonense.
Aparecem no vídeo apenas apoiadores do presidente Jair Bolsonaro como as deputadas federais Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF), a médica Mayra Pinheiro (ex-secretária de gestão do trabalho do MS), os coronéis do Exército Paulo Ricardo (superintendente do Ministério da Saúde no Amazonas) e Nivaldo Moura Filho (ex-diretor de programa da secretaria executiva do Ministério da Saúde), os jornalistas Alexandre Garcia e Augusto Nunes, e Hélio Angotii Netto (secretário de Ciência e Tecnologia do MS).
Os bolsonaristas citam “ataques a pessoas respeitáveis, médicos, cientistas, jornalistas, pessoas que trabalham na busca da verdade”, sem esclarecer que ataques foram esses. As parlamentares, os militares e os jornalistas que aparecem no vídeo tratam negacionistas da ciência como “verdadeiros heróis da pandemia”.
O médico Raphael Câmara Medeiros Parente, secretário de ação primária à saúde do Ministério da Saúde, é o primeiro a aparecer. “Quando nós chegamos em Manaus, a situação era um verdadeiro caos”, diz. A seguir são apresentadas outras declarações, em clima de consternação. Ele não explica qual era o ‘caos’.
Entre os depoimentos, aparecem frases em destaque: “O que não lhe contaram sobre a pandemia no Brasil”, “uma missão heróica para salvar vidas” e “a história de heróis que o Brasil não conheceu”. No final, Carla Zambelli afirma que “a verdade vai prevalecer, porque a maioria da população cansou de ser enganada”. “Quem são os verdadeiros culpados e quem são os verdadeiros heróis”, diz a deputada.
Uma sequência de nomes aparece na publicação: Dr. Hélio Angotti, Dr. Raphael Câmara, Dra. Mayra Pinheiro, Élcio Franco, Carla Zambelli, Bia Kicis, Alexandre Garcia, coronel Nivaldo Moura Filho, General Ridalto Fernandes, Enfermeira Aline Moreira, Dr. Mario Vianna, condutora de ambulância Paula Sadim, coronel Paulo Ricardo, Jerbson Alves, Dra. Patrícia Sicchar, General Heleno, General Pazuello e Augusto Nunes. Não há nenhuma referência sobre essas pessoas em relação à crise do oxigênio.
Mas são conhecidas. Nos mais de dois anos de duração da pandemia, todos os citados deram declarações negacionistas contra a Covid-19 ou contra a vacinação para prevenir e combater a doença. No discurso, também o incentivo à desobediências às regras preventivas para evitar a proliferação do vírus.
Bia Kicis é cosiderada uma das mais fieis escudeiras de Jair Bolsonaro, ao propagar integralmente as ideias defendidas pelo presidente. É investigada no SFT (Supremo Tribunal Federal), acusada de propagar constantemente informações inverídicas. Durante a pandemia, a deputada ficou conhecida pelo negacionismo aos conceitos da ciência. Levantamento da agência de checagem “Aos Fatos” mostra que a parlamentar é uma das personalidades políticas que mais divulgaram desinformação sobre a pandemia de Covid-19.
Carla Zambelli segue o mesmo perfil. Em junho de 2021, apagou cinco tuítes em que mencionava a vacina Covaxin, cujo processo de importação foi investigado por superfaturamento na CPI da Covid.
Mayra Pinheiro, Hélio Angotti e Eduardo Pazuello, foram acusados pelo MPF (Ministério Público Federal) por “omissão no cumprimento de suas atribuições profissionais”. Mayra Pinheiro esteve em Manaus defendendo o uso do kit cloroquina, com remédios que foram considerados ineficazes para o tratamento da doença.
Ministro da Saúde em janeiro de 2021, o general Eduardo Pazuello teve uma passagem conturbada no cargo. Em maio de 2020 foi indicado de forma interina para substituir Nelson Taichi e foi o terceiro ministro da Saúde do governo Bolsonaro. Pediu demissão em março de 2021. A investigação do MPF apontou que Pazuello foi avisado sobre a “iminência de esgotamento” de oxigênio em Manaus cinco dias antes do colapso e ignorou os pedidos de socorro emitidos pelo Governodo Amazonas.
Mayra Pinheiro esteve em Manaus antes da crise de janeiro de 2021. Em depoimento ao MPF, disse que veio para “orientar colegas médicos” e entre as recomendações estava o uso de cloroquina e hidroxicloroqueina em pacientes com Covid. Estudos médicos e científicos não comprovam a eficácia nos remédios no combate ao vírus.Os jornalistas Alexandre Garcia e Augusto Nunes são ferrenhos defensores das ideias de Bolsonaro.
No dia 14 de janeiro de 2021 o sistema de saúde entrou em colapso pela falta de oxigênio. Dezenas de pessoas morreram nos hospitais publicos e privados pela falta do insumo. O episódio gerou comoção nacional e dezenas de artistas se mobilizaram para doar cilindros de oxigênio.
A mobilização do governo federal para suprir a falta de oxigênio só ocorreu quando houve o produto já estava em falta, e não foi possível evitar as mortes por asfixia. Houve mobilização, também, para transferência de pacientes de Manaus para outras capitais brasileiras para tratamento de Covid-19.
O vídeo tenta negar os fatos e apresentar os responsáveis pela falta de oxigênio como heróis. “A verdade vai aparecer, porque a maioria da população deixou de ser enganada”, diz Carla Zambelli.
No final, os “atores” prometem contar “quem foram os verdadeiros culpados e quem foram os verdadeiros heróis”.
Confira o vídeo divulgado por Bia Kicis no Twitter.