
Desde a redemocratização, depois de um período sombrio de 20 anos de ditadura militar, as eleições municipais estaduais e nacionais são marcadas por práticas que nada têm de construtivo para a sociedade brasileira. A mais comum são as futricas, os assuntos da vida privada dos postulantes aos cargos majoritários. Desde as eleições de 1989 o recurso vem sendo usado, com o objetivo de constranger o adversário, com a clara intenção de jogá-lo contra o eleitorado, que os marqueteiros de plantão julgam como conservador.
Esse tipo de prática, em sociedades modernas, vem aos poucos perdendo força, graças a um eleitorado mais esclarecido e menos balizado por dogmas. No Brasil, que tem eleitorado de maioria semianalfabeta, e as religiões cristãs conservadoras avançam, os candidatos ainda sentem o peso do constrangimento público quando a vida privada torna-se pública durante o processo eleitoral.
Em grande medida, a repercussão negativa é alimentada por um desejo humano de vasculhar a vida alheia. A futrica e a fofoca geram grandes audiências para os meios de comunicação e ao mesmo tempo satisfazem o espírito dos que dispõem de tempo para essas atividades, e não são poucos.
Enganam-se aqueles que pensam que esse é um fenômeno novo. As narrativas históricas dão conta de que desde o começo daquilo que depois veio a se chamar jornalismo a vida alheia sempre foi o prato predileto de um público faminto pelo que acontecia entre quatro paredes, principalmente nos palácios dos reis. Robert Darnton, professor de história na Universidade de Princeton, em memorável texto intitulado “Rede de intrigas”, publicado em 30 de julho de 2000 na Folha de S.Paulo, mostra como a fofoca, as canções populares e os folhetins movimentavam as notícias na França do século 18.
Nestes tempos de internet, com as redes sociais, aquilo que Darnton narra como uma rede eficiente de notícias dos assuntos privados, ganha potência imensurável. E as futricas ganham dimensões jamais vistas em tempos recentes, e numa velocidade também surpreendente.
Como a eleição sempre foi um jogo de vale tudo, aqueles que não conseguem convencer o eleitorado pelas propostas ou pela competência na administração pública, partem para o ataque baixo. A vida pessoal e não os assuntos políticos passam a ser a preocupação dos que estão em desvantagem, numa tentativa desesperada de virar o jogo. A história tem mostrado que esse tipo de comportamento não ajuda a convencer o eleitorado de que o candidato X é melhor do que o candidato Y.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.