Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – O poeta Thiago de Mello deixa como legado o compromisso com a vida, a resistência e a valorização da Amazônia, temas retratados nas obras do escritor destacados por poetas amazonenses, afirmam escritores. Thiago de Mello morreu aos 95 anos em casa, em Manaus, na madrugada desta sexta-feira (14).
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O escritor amazonense Elson Farias, amigo próximo do poeta e membro da Academia Amazonense de Letras, conta que ainda adolescente Thiago foi para o Rio de Janeiro estudar Medicina, mas escolheu a literatura.
“Lá no Rio de Janeiro, em contato com os grandes centros culturais e grandes poetas, como Manuel Bandeira, que foi o seu grande amigo, ele desenvolveu a sua técnica, expressão poética, linguagem poética, os instrumentos da sua linguagem poética. E dedicou a sua vida à poesia”, relata.
Elson Farias afirma que a Amazônia sempre esteve presente nas poesias do amigo. “O Thiago de Mello, mesmo no seu discurso político, a política que ele defendia era a liberdade, a afirmação do homem, da natureza, tudo isso ele transformou em seu discurso na poesia da Amazônia”, lembra. “Tanto assim que, apesar da sua projeção nacional e fora do país, ele voltou para a Amazônia e aqui construiu sua casa no interior, aqui viveu e aqui morreu. Mas eu acho que, quem sabe se ele em vez de morrer não está nascendo para a vida da poesia de língua portuguesa”, diz.
O escritor Tenório Telles considera que a relevância humana e estética dos trabalhos de Thiago de Mello estão nos compromissos com a vida e liberdade. “Esses valores dão à sua obra importância mundial. Esse será o seu grande legado literário: uma poesia tecida com os fios da vida e da sua crença num futuro melhor para a humanidade”, diz.
O escritor afirma que a poesia de Mello inspira várias gerações de escritores há muitos anos. “Principalmente pela sua preocupação com a liberdade e a justiça para o ser humano”.
Telles conta que o poeta enfrentava problemas relacionados à doença de Alzheimer. “O Thiago lutou até o último momento. Mesmo doente ele se manteve sempre muito firme e lutando para não perder a memória das coisas. E morreu como um passarinho. Em casa ele foi dormir e de manhã, às 6h50, foram verificar que ele tinha perdido as funções vitais do corpo”, relatou. A causa oficial da morte ainda não foi divulgada.
O escritor Sérgio Freire destaca a resistência abordada nas poesias de Mello. “Thiago deixa um legado lindo com sua obra poética. Sua história de vida deve ser lembrada como um estímulo à resistência a um mundo antidemocrático e feio, em todos os sentidos. Hoje faz escuro, mas a poesia há de cantar sempre. Sua ida deixa triste a poesia, mas seu legado permanecerá”, disse.
Repercussão
A morte de Thiago de Mello teve repercussão nas redes sociais. Manifestações de pesar foram compartilhadas por admiradores das obras do poeta, além de políticos do Amazonas e de outros estados.
O ex-governador Amazonino Mendes fez uma declaração ao escritor. “Hoje perdi um grande amigo. Um poeta maior! O intelectual que jamais esqueceu suas origens. Thiago de Mello foi um dos maiores expoentes da poesia brasileira. Ele se despede deixando uma obra magnífica, um legado eternizado. Sua partida faz todo o Amazonas chorar. Ele foi o poeta que enfrentou os sofrimentos atrozes da escuridão, mas cantava”, escreveu.
O deputado estadual Serafim Corrêa (PSB), o deputado federal José Ricardo (PT), os senadores Omar Aziz (PSD) e Plínio Valério (PSDB) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto foram alguns dos políticos do Amazonas que lamentaram a perda.
Entre os políticos de outros estados que se manifestaram estão os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (PT-ES), o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), e as deputadas federais Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
No Amazonas, o governador Wilson Lima e o prefeito de Manaus David Almeida decretaram luto oficial de três dias.
Biografia
Amadeu Thiago de Mello nasceu em Porantim do Bom Socorro, município de Barreirinha (a 330 quilômetros de Manaus), no dia 30 de março de 1926. Ele também era tradutor. É um dos mais influentes e respeitados escritores no país e no exterior, reconhecido como um ícone da literatura regional.
Ainda criança, mudou-se com a família para Manaus onde começou os estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e, depois, no Ginásio Pedro II. Dez anos mais tarde mudou-se para o Rio de Janeiro e, em 1950, ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, mas não chegou a concluir o curso. Optou por seguir a carreira literária.
Durante a década de 50, colaborou com veículos de comunicação de oposição ao governo de Getúlio Vargas, fundou a Editora Hipocampo e dirigiu o Departamento Cultural da Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Após um período servindo no Itamarati como agente diplomático de cultura do Brasil na Bolívia e, posteriormente, no Chile (onde conheceu o poeta Pablo Neruda).
Em 1965, retorna para o Brasil. Porém, três anos após a sua chegada é perseguido pelo regime militar e se vê forçado a viajar novamente para Santiago (Chile), onde permanece exilado por 10 anos, tempo suficiente para escrever algumas de suas maiores obras que lhe renderam também um prêmio concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte, ainda durante o regime militar.
Entre suas obras destacadas mundialmente, estão “Os Estatutos do Homem”, “Faz escuro, mas eu canto”, “Silêncio e palavra” e “Manaus, amor e memória”. Além da dedicação à literatura, exerceu o jornalismo e serviu no Itamaraty, como adido cultural no Chile, onde cultivou uma grande amizade com Pablo Neruda e Salvador Allende.
Tornou-se conhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos.