Da Folhapress
PARIS – Invocar a soberania nacional para frear a resposta de líderes estrangeiros aos incêndios na Amazônia, como fez o presidente Jair Bolsonaro (PSL), não tem sentido, dado que as consequências do fogo e do desmatamento são sentidas em escala global.
O médico e explorador suíço Bertrand Piccard, criador da Fundação Solar Impulse (que busca desenvolver inovações ecológicas com apelo de mercado), ilustra seu ponto de vista com uma comparação.
“A Suíça tem dois grandes rios com nascentes em seu território: o Reno e o Rhône. Poderia dizer: ‘É nossa água, são nossos glaciares, vamos ‘cortar’ o leito na fronteira e usar tudo aqui’. Isso causaria secas na França, Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. É óbvio que isso é inconcebível.”
Para ele, trata-se, tanto no caso suíço quanto no brasileiro, de “uma responsabilidade perante o resto do mundo”, um zelo pelo bem-estar e pela qualidade de vida das pessoas que dependem da água de uns e da floresta de outros.
“O mundo é interdependente. Não se pode falar em questão nacional quando as consequências são claramente internacionais”, afirma, que recorre ainda a outro paralelo para sublinhar o que vê como incoerência do governo brasileiro.
“É como se um país ameaçasse a humanidade com uma bomba atômica. É claro que seria alvo de sanções. Pode-se destruir a humanidade de muitas formas: com a bomba atômica, com a mudança climática, com a poluição…”
Piccard ressalta, porém, ser partidário de uma “solução amistosa” para a rixa entre Bolsonaro e líderes dispostos a retaliar o Brasil pela negligência no combate ao fogo na Amazônia -como Emmanuel Macron (presidente da França) e Leo Varadkar (primeiro-ministro da Irlanda).
Na sexta (23), Paris e Dublin disseram que não ratificariam o recém-concluído acordo comercial entre UE (União Europeia) e Mercosul enquanto Brasília não cumprisse seus “compromissos ambientais”. Além disso, um ministro da Finlândia chegou a defender a suspensão das importações de carne bovina brasileira pela UE.
Já o ambientalista suíço defende ajuda financeira internacional a produtores brasileiros, para que preservem a floresta, ao invés de cortá-la. As verbas buscariam compensá-los pelos ganhos que deixariam de obter com atividades agropecuárias em terras desmatadas.
“Visto que a Amazônia é um bem da humanidade, é natural que ela, a humanidade, pague por isso”, afirma Piccard. “Esses recursos ajudariam a criar empregos no Brasil, seriam uma retribuição justa ao país pelos serviços prestados na preservação da floresta.”
Se tal gesto não surtisse efeito, ou seja, se o desmatamento continuasse em alta, a resposta internacional precisaria mesmo se endurecer, pondera ele, “por todos os meios possíveis, de suspensão do debate sobre acordos comerciais a sanções”.
Na quinta (22), o presidente Macron melindrou Bolsonaro ao dizer que a situação amazônica representava uma crise internacional que deveria ser discutida na cúpula do G7 (grupo de países ricos), em curso na França.
Na sexta, o líder afirmou que conversaria com seus pares de EUA, Alemanha, Japão, Itália, Canadá e Reino Unido sobre ações concretas visando ao combate às chamas na floresta e, posteriormente, ao replantio de árvores. Detalhes das iniciativas devem ser conhecidos até o fim do encontro, nesta segunda, 26.
Na mesma entrevista, e provavelmente voltando a arranhar o brio nacionalista de Bolsonaro, Macron fez referência à necessidade de “definir o que seria uma boa governança para a Amazônia” -o que, para o francês, passaria por um protagonismo maior de povos indígenas e de ONGs na gestão da área.