
Por Milton Almeida, do ATUAL
MANAUS – Com terras abundantes e quase nenhuma presença do Estado, quatro municípios do Sul do Amazonas são o “paraíso” de grileiros e de terreno fértil para crimes ambientais: Apuí, Novo Aripuanã, Manicoré e Humaitá. O CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas) atribui a invasão de terras na região à falta de regularização fundiária que beneficia pessoas de outros estados e prejudica populações indígenas e ribeirinhas que estão no local há gerações.
O avanço da grilagem e de crimes ambientais no Sul do Amazonas foram debatidos nesta sexta-feira (24) no fórum da ADSSA (Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas), que reuniu lideranças comunitárias, representantes dos governos estadual e federal, e pesquisadores.
“A dificuldade para a regularização fundiária é muito grande. Para uma população extrativista que recebe de geração em geração a posse do terreno é pior ainda. Mas para quem tem dinheiro é fácil. Tudo isso torna mais difícil a vida daquelas pessoas”, diz Silvia Moreira, secretária de Direitos Humanos do CNS.
Além da falta da regularização fundiária e o possível reasfaltamento de trecho da BR 319 (Manaus-Porto Velho/RO), segundo a dirigente, atraiu “novos moradores” para o Sul do estado.
“A questão da BR-319 é um problema porque é um assunto que está sendo tratado de forma incorreta, sem uma consulta prévia, e está atraindo muita gente e especuladores de terrenos para aquela região do Sul do Amazonas. E sem a regularização fundiária, você tem um elemento de atrativo muito forte, que sem fiscalização adequada e rigorosa se transforma em um grande problema para aquelas populações”, diz Silvia Moreira.
Outro problema naquela região é o garimpo ilegal, que gera exploração irregular do solo, destruição dos rios e dos peixes e um ambiente de prostituição. “Até a gestão das Unidades de Conservação, protegidas pelo poder público, está fragilizada e isso permite a entrada de diversos invasores nesses territórios. Há também a falta de apoio na área do empreendedorismo socioambiental e na bioeconomia local onde as comunidades poderiam desenvolver seus produtos e a comercialização”, diz Silvia Moreira. Ela acrescenta que sem o apoio das instituições governamentais a população se torna refém de grileiros, garimpeiros e da prostituição.
“É uma junção de várias coisas que prejudica esses territórios. Sem a regularização fundiária, as populações desses territórios acabam entrando em conflito com madeireiros, fazendeiros, garimpeiros e outras pessoas porque não possuem uma documentação do lugar que ocupa e quem chega, chega com um papel na mão e se impõe”, diz. “Parece combinado. Primeiro, entra o madeireiro e tira toda a madeira necessária e que pode ser vendida. Depois vem o fazendeiro que faz o corte raso e começa a colocar gado no terreno”.

A mais nova investida no Sul do Amazonas, segundo a secretária do CNS, é o assédio às populações para exploração de crédito de carbono. “É uma luta muito desumana. A questão da venda de créditos de carbono é outro problema. Muitas empresas nacionais e internacionais não respeitam as comunidades. Eles convencem os moradores de uma forma que eles acabam assinando documentos pensando que vão receber recursos das empresas, quando na verdade elas estão assinando um documento de doação de terras para as empresas”, afirma Silvia Moreira.
“Muitos não são alfabetizados, não têm conhecimentos, não tem apoio de consultorias e acabam assinando os papéis. E só descobrem depois de haver assinado e fica difícil reverter o que a pessoa assinou. É uma forma cruel”, complementa.
O crédito de carbono envolve a preservação de áreas de floresta em que empresas pagam para compensar a emissão de gases poluentes na atmosfera.
Terras baratas e desconhecimento
O cacique Leocir Carijó, da aldeia Tekoa Crixi Um’yu’bã, do Distrito de Sucunduri, em Apuí (a a 1,098 quilômetros de Manaus), diz que o valor baixo das terras no Sul do Amazonas atrai muitos especuladores. “O grande fazendeiro compra terras no Sul do Amazonas por preços muito baixos comparado com o de terra de outras regiões. A terra barata é um atrativo para essas pessoas”, diz Leocir Carijó. A comunidade tem cinco mil habitantes.
Para o cacique, no Amazonas o “olhar político” sobre os direitos dos terrenos é “menos burocrático” para as pessoas que tem dinheiro. “Muitos gestores dos municípios não têm a iniciativa de informar e formar a população sobre os seus direitos territoriais. Ao final, a população sofre por falta de conhecimento dos seus direitos, porque as autoridades estão ausentes”, diz o cacique.
Para o líder indígena, o Sul do Amazonas passa por um processo de “falta de informação”. O conhecimento sobre a região é restrito às autoridades municipais e não é compartilhado com a população.
“Temos de mobilizar todos os atores ambientais e municipais, fazer uma agenda e expor para a população qual é a realidade deles, como devem regularizar as suas terras e apoiá-los. O fazendeiro consegue se regularizar e o pequeno produtor, o extrativista, também pode conseguir. Para isso, precisamos da ajuda de todos os participantes”, diz.
Regularização
Segundo Marcelo Trevisan, diretor de Ordenamento Territorial e Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, muitos municípios do Sul do Amazonas aderiram ao programa União com os Municípios, pela redução do desmatamento e das queimadas, e receberão investimentos do governo federal para auxílio aos moradores.
“A população vai receber isso (recursos) em forma de serviços de regularização fundiária, ambiental, de restauração e assistência técnica. Nós estamos trabalhando com quase R$ 80 milhões para colocar essas ações em prática”, diz Trevisan.
Ainda segundo Trevisan, o governo defende a garantia dos direitos territoriais tanto individual quanto coletivo. “É importante entender que ocupações de boa-fé, de pessoas que seguem a legislação fundiária e a ambiental, têm direito a ter seu imóvel regularizado. Então, a Câmara Técnica de Destinação de Terras Públicas, coordenada pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, faz um esforço muito grande para que essas áreas sejam regulamentadas, para que os territórios sejam mais juridicamente seguros e que os direitos sejam preservados ”, diz.