Da PGR
BRASÍLIA – A Segunda Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, por unanimidade, que a citação por edital de réu desconhecido em ação civil pública decorrente do projeto Amazônia Protege, do MPF (Ministério Público Federal), é viável e não fere o devido processo legal.
Com o entendimento, o STJ garante, na prática, o recebimento e prosseguimento do processo em primeira instância. A decisão é resultado do trabalho integrado do MPF, que atuou em todas as instâncias da Justiça Federal para garantir o processamento da ação, que pode impedir a regularização futura de área desmatada irregularmente.
O projeto Amazônia Protege foi idealizado em 2017 pelo MPF – por meio da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) – com o objetivo de combater o desmatamento ilegal na Floresta Amazônica brasileira. A caminho de sua 4ª fase, a iniciativa envolve procuradores da República com atuação na Amazônia Legal.
Baseados em imagens de satélite e no cruzamento de dados públicos, os membros do MPF já instauraram mais de 3,5 mil ações civis públicas (ACPs) por desmatamentos ilegais superiores a 60 hectares registrados pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes/Inpe) entre agosto de 2015 e dezembro de 2019.
Em alguns casos – como o agora analisado pela Corte Superior –, não é possível identificar os responsáveis pelo desmatamento na fase pré-processual e, por essa razão, as ACPs são propostas contra réu incerto ou desconhecido, como prevê o Novo Código de Processo Civil (art. 256, I). Apesar de ajuizada nos termos da legislação, a ação civil pública foi extinta ainda na primeira instância, em decisão posteriormente referendada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
O MPF reagiu de forma articulada. No primeiro grau, apelou contra a sentença que extinguiu a ACP sem exame de mérito. Na segunda instância, questionou o acordão do TRF1, em recurso especial apresentado pelo Núcleo de Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos da Procuradoria Regional da República na 1ª Região, por meio da procuradora regional Ana Paula Mantovani Siqueira.
No STJ, apresentou parecer favorável e agravo interno para destrancar o recurso. A atuação foi do subprocurador-geral da República Nicolao Dino, da área da tutela coletiva, cujo núcleo vem acompanhando todos esses casos, muitos ainda pendentes de apreciação nas Primeira e Segunda Turmas do STJ. O relator do caso julgado esta semana na Corte Superior é o ministro Herman Benjamin.
Fundamentação
Ao levar o caso ao STJ, o Ministério Público Federal argumentou que a extinção precoce da ação contraria o art. 256, inciso I, do Código do Processo Civil, que prevê a realização de citação por edital quando a pessoa a ser citada é incerta ou desconhecida. A hipótese é cabível quando não se sabe precisamente quem deve compor o polo passivo da demanda e após o esgotamento dos meios possíveis de identificação. Nessas circunstâncias, a lei autoriza, excepcionalmente, que o nome e a qualificação do demandado não constem na petição inicial, tornando, assim, litigiosa a coisa.
O acórdão do TRF1, que confirmou a decisão da primeira instância de sequer iniciar o processo contra réu desconhecido, afirma que, apesar de o CPC admitir a citação editalícia, o MPF não teria exaurido todos os meios necessários para identificar o polo passivo da demanda, mesmo após o prazo concedido pela Justiça para isso. O argumento é contestado pelo MPF.
Na manifestação ao STJ, o órgão aponta as diligências realizadas para identificar os autores do desmatamento, entre elas a consulta a diversos bancos de dados públicos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e o Sistema Nacional de Certificação de Imóveis (SNCI) do Incra, o Terra Legal e o Auto de Infração e Embargo na Área, do Ibama. Para o MPF, “todas as formas de identificação dos autores dos danos foram, sim, esgotadas, inclusive com vistorias de campo”.
O MPF sustenta ainda que a alegação de que a ação buscaria provimento inexequível parte do pressuposto equivocado de que os responsáveis pelo desmatamento nunca seriam identificados. “Haverá outras formas de, em momento diverso e por vias mais demoradas, identificá-los”, afirma Dino no parecer.
Além disso, uma eventual vitória da ação na Justiça vai impedir a futura regularização fundiária da área e assegurar a todo órgão de controle e fiscalização a possibilidade de imediata apreensão, retirada e destruição de qualquer bem móvel ou imóvel existentes na área, aponta a manifestação do MPF. Isso porque a obrigação de manter e restaurar a área degradada é vinculada ao bem imóvel, independentemente de quem seja o proprietário ou possuidor, inclusive em caso de transferência de titularidade.
Legalidade
O Ministério Público Federal pondera que a citação dos réus por meio de edital evita que os sujeitos passivos da ação sejam processados sem observância da ampla defesa e do contraditório. Para Dino, a descrição dos fatos narrados na inicial da ação, com os dados do local desmatado – que devem constar do edital – são legalmente suficientes para tornar pública e conhecida a busca judicializada dos responsáveis, possibilitando, ainda, a obrigação de recuperar a área e a apreensão futura de maquinários e equipamentos que venham a ser detectados no imóvel, por ordem judicial.
O subprocurador-geral destaca, ainda, a relevância do caso para toda coletividade, ao lembrar que “a região Amazônica vem sofrendo de forma reiterada desmatamentos ilegais, que põem em risco a preservação da biodiversidade, sem que, em muitas situações, se saiba de antemão quem são os responsáveis”.
Para ele, a decisão do STJ e o consequente prosseguimento da ação judicial “tem o condão de inibir eventual e indevida medida de regularização fundiária de áreas invadidas e degradadas, impedindo exploração futura, indevida e desenfreada do local, e contendo aquilo que muitos especialistas qualificam como um ‘ecocídio’”.