A situação dos presídios em Manaus continua muito tensa e perigosa, e sem solução, a curto prazo, após as chacinas ocorridas desde o dia 1° de janeiro. Foram assassinados 67 presos, sendo 56 na rebelião do Compaj, quatro no presídio do Puraquequara, quatro na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa e três encontrados mortos nas matas, próximos ao Compaj.
Nesta semana, como presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALE, acompanhei uma comitiva que visitou os presídios. Veio o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, deputado federal Padre João, junto com o Padre Valdir, coordenador da Pastoral Carcerária do Brasil; e mais o conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária-CNPCP, Marcos Fuchs, e membros da Ong de direitos humanos Justiça Global.
Na reunião na Arquidiocese de Manaus, promovida pela Pastoral Carcerária, vários familiares de presos que foram assassinados foram ouvidos, denunciando dramaticamente que os presos eram ameaçados de morte, de cartas escritas para a direção do presídio sobre a situação desumana, que tinham que levar remédios não fornecidos pelo sistema prisional, que as autoridades sabiam que poderia ocorrer o massacre e as dificuldades enfrentadas para poder pagar advogados, de tentar ajudar os filhos com alimentos, material de higiene e outras necessidades. Enfatizaram que quem manda nas cadeias são os chefes criminosos.
Membros da Pastoral Carcerária também falaram que alimentação dos presos é precária e não há um trabalho efetivo para ressocialização dos detentos. Enfatizaram que o trabalho da Pastoral somente acontece, em alguns presídios, com a permissão de presos, chefes por alas, todos evangélicos, que decidem o tempo para atuação dos agentes da Pastoral.
No Compaj (Complexo Prisional Anísio Jobim) fomos impedidos de falar com os presos. O secretário da Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) se limitou a dar informes, dizendo que o acesso está limitado. Nem as famílias estão podendo visitar. Muitas famílias estão praticamente acampadas na BR-174, com alimentos e remédios para seus parentes, pois há denuncias de falta de alimentos e de que teriam muitos presos ainda feridos.
Na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, constatamos que há 280 presos, retirados do Compaj em caráter de urgência, pois a maioria estava ameaçada de morte. Percebeu-se muitos ainda feridos e muitos relatos sobre o massacre que ocorreu no dia 1° deste mês. O local tinha sido desativado e continua sem condições para abrigar presos. Na Vidal Pessoa foram assassinados quatro presos. O ambiente é tenso e sem higiene. A direção da Seap informou que estava aguardando a conclusão da obra de uma nova unidade prisional para abrigar esses e outros presos. Mas a previsão é para abril/2017. Até lá, quantas mortes ainda vamos ter?
Um dos problemas constatados é que não há separação dos presos por tipo de crime cometido. A lei exige isso, para evitar que um jovem que se envolveu num crime de menor poder ofensivo, e que ainda tem jeito, esteja junto com um traficante, assassinos e criminosos reincidentes. Para evitar a “escola do crime” e a influência dos criminosos. Mas do jeito que está, nada está sendo respeitado.
Também foi constatado que precisa de agilidade do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, no julgamento dos presos provisórios. A maioria dos presos não foi julgada. Têm pessoas há mais de um ano esperando ser julgado. Alguns nem foram ouvidos ainda. Esta semana, a justiça liberou alguns presos que respondiam por não pagar pensão alimentícia. Tem vários presos por brigas, problemas de trânsito e outros motivos que poderiam responder em liberdade, com tornozeleiras, e não ficar amontoados nos presídios.
A maioria dos crimes tem ligação com o tráfico de drogas, segundo a Seap e o Ministério Público.
Mas a estrutura é pequena. Tem somente 01 juiz na área da Execução Penal, que julga a situação dos presos, e dois promotores. E pouquíssimos defensores. Está na hora de prioridade para o sistema carcerário. Precisamos garantir que o preso seja julgado, pague a sua pena dentro da prisão e saia para começar uma nova vida. A estrutura da Justiça precisa funcionar, para o bem da sociedade, que quer punição e segurança, mas principalmente Justiça.
Neste sentido, tomei conhecimento de que a Defensoria Pública do Estado tem 52 vagas não preenchidas para defensor público. Ainda tem muitos concursados, do cadastro de reserva, aguardando. Vou solicitar que a Defensoria os chame. Mas também cobrar que o governador do Estado repasse verbas para essas despesas adicionais da Defensoria, que tem um orçamento muito reduzido. Todo ano, apresento emenda ao orçamento para a Defensoria, mas a bancada do governador vota contra.
Por fim, estivemos visitando o Instituto Médico Legal – IML e também o Ministério Publico Estadual – MPE. A direção do IML informou que fizeram todos os laudos dos presos mortos, menos os 03 encontrados na mata. Mas os presos que foram feridos, tratados no próprio presídio, não estão fazendo exame de corpo de delito. O que é grave. Deveria fazer.
No MPE foi formado um grupo de trabalho com 08 procedimentos em andamento: investigar os crimes realizados e as mortes; a responsabilidade dos gestores, do governo e da empresa terceirizada; os contratos com a empresa que administra os presídios; os direitos humanos desrespeitados dos presos; as medidas para os presos provisórios, a situação carcerária no interior; a execução criminal como mutirão para avaliar a situação de cada preso; e um diagnóstico sobre o tráfico de entorpecentes. Muito bem. Prometeram investigações isentas. Vamos acompanhar.
Aproveitaria para solicitar a verificação dos relação dos políticos que receberam doações da empresa terceirizada, como o governador Melo, o deputado federal Silas Câmara, sua esposa e filha, e quem sabe outros.
O sistema prisional precisa ser passado a limpo. Precisamos acreditar e ter esperança que ainda tem jeito, que funcione, que puna e faça justiça. Mas que seja um instrumento de ressocialização e mudança de vida de quem cometeu um crime, e não cometa mais.
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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