Por Paulo Saldaña, da Folhapress
BRASÍLIA – Às vésperas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), um grupo de servidores do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão responsável pela prova, assinou um despacho no qual abriu mão de uma bonificação para a aplicação do teste.
Após pedido coletivo de demissão de servidores no Inep a 13 dias do começo da prova, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, minimizou a debandada e acusou funcionários de ter motivação financeira, especificamente em relação a essa gratificação, cujas regras foram alteradas recentemente.
O Inep vive tempos de instabilidade, com pedido coletivo de demissão de cargos de chefia, denúncias de assédio moral e de tentativa de interferência indevida no conteúdo do Enem. O objetivo seria alinhar a prova à ideologia do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Tanto o ministro quanto o presidente do instituto, Danilo Dupas Ribeiro, defenderam em audiências no Congresso Nacional que o movimento, além de ser político, teria relação com as alterações nas regras de pagamento da GECC (Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso).
Servidores que trabalham fora de suas funções ou em fins de semana, por exemplo, podem receber esse dinheiro ao se enquadrar em um trabalho eventual. A mudança promovida pelo governo reduziu o alcance de quem tem direito à gratificação.
A Folha teve acesso ao despacho cujo assunto é “Manifestação pelo não recebimento de gratificação”. O ato é do último dia 18, três dias antes do início do exame.
“Nenhum dos servidores solicitará Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso pelos seus trabalhos durante a aplicação do Enem 2021, ainda que seja conhecido que as atividades são de caráter eventual”, diz o documento, relacionado à Diretoria de Avaliação da Educação Básica.
Questionado, o Inep não respondeu.
Segundo relatos ouvidos pela reportagem, o ato do grupo de dez servidores da diretoria diretamente atrelados ao exame foi para deixar claro que a insatisfação não tem relação com as regras da gratificação.
Mais servidores ligados a outras diretorias também abriram mão desse bônus.
Os funcionários dizem que o argumento do governo nem sequer faz sentido, uma vez que a entrega dos cargos comissionados representa redução de ganhos maior do que a gratificação.
O exame é aplicado em dois domingos. Teve início no dia 21 e terminou no dia 28, com o menor número de participantes desde 2004.
O Inep ainda tem outro entrave para resolver sobre o tema da gratificação. A alteração nas regras foi efetivada a partir de decisão da AGGE (Assessoria de Governança e Gestão Estratégica), mas a própria Procuradoria do órgão concluiu que não cabe a essa assessoria tomar a decisão.
“Não compete à AGGE, assim, elaborar manifestação de mérito sobre os pagamentos requeridos”, diz o parecer, de 26 de novembro, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso.
O entendimento da área jurídica – que não avaliou quem deve ou não receber a gratificação – é que o tema deva ser encaminhado para o Comitê de Governança Institucional e depois ao presidente do Inep.
A Assessoria de Governança e Gestão Estratégica é um cargo criado em maio pelo atual presidente do Inep. A AGGE é ocupada desde julho por Eduardo Carvalho Nepomuceno Alencar, considerado internamente o braço direito de Dupas Ribeiro.
Segundo as denúncias de servidores que chegaram a parlamentares, foi ele quem autorizou a entrada de um policial federal na sala segura do Inep. O órgão colocou sob sigilo o processo no qual consta essa autorização, como a Folha mostrou.